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Entrevista: Denise Prado, uma mulher que pode tudo


                 Amor à arte - Denise Prado mostra que uma mulher na produção artística pode tudo
Fotos: arquivo pessoal/ Denise Prado 



Era uma vez uma menina chamada Denise. Inquieta, curiosa e nascida sob a regência do signo de gêmeos, o que naturalmente lhe conferia um natural poder de comunicação. Ainda na escola a carioca montou seu primeiro grupo de teatro e aos 17 anos produziu o seu primeiro "evento". 

Mal sabia ela que os bastidores da vida no palco ou na estrada estavam traçados em seu destino. Aluna do curso de jornalismo sentiu o coração pulsar mais forte pelo teatro e no Rio de Janeiro dos anos 80 iniciou sua vida profissional: de Roberto Carlos à Paulo Betti já conta com mais de 30 anos de carreira trabalhando na produção de espetáculos. 

Em 1998 veio para São Paulo trabalhar no mundo corporativo- para o Parque da Xuxa. Também já atuou como Diretora de Cultura da Câmara de São Paulo onde realizou um trabalho muito importante em prol da comunidade LGBTQIA+.

Atualmente se divide entre sua empresa de Produção Artística " Mulher de 50 pode" e o programa Conecta que apresenta todas as quartas na rádio PlayBrazil, transmitido para Brasil, Portugal e Inglaterra. No programa a comunicadora recebe diversos convidados para um bate- papo descontraído e divide com eles muitas de suas histórias. E Denise Prado esta  mulher que pode tudo é a entrevistada do Falando em Sol de hoje.

(Tatiana Valente)

FS- Quais lembranças tem da infância? Você era uma criança criativa?

Desde muito pequena já tinha uma vibe artística, gostava de imitar a Elis Regina com seus trejeitos quando sorria apertando os olhos e levantando os braços. Minha mãe conta que quando a gente ia para os restaurantes, festas, parques, eu sempre falava com todo mundo e se tivesse música eu dançava, e era dramática. Minha avó tinha um salão de beleza em Realengo, bairro onde nasci e fui criada, e lá passei boa parte da minha infância e adolescência, com muitas mulheres empoderadíssimas. Quando ia para o salão aos sábados, que era o dia que minha mãe trabalhava lá como cabeleireira, minha avó me dava um cabo de vassoura com um imã na ponta para que eu recolhesse os grampos que caiam no chão, pois ela dizia que nós tínhamos que ter o próprio dinheiro para dar valor as coisas. Então cada grampo correspondia a 1 cruzeiro e assim ao final do dia, eu tinha o dinheiro da semana da escola. À medida que fui crescendo, fui aprendendo outras coisas, como fazer sobrancelha, cheguei a ter até algumas clientes... Outra lembrança incrível que tenho é da minha avó me ensinando a dirigir em seu fusquinha. Ela dizia que a Mulher tinha que aprender a dirigir, pois era o primeiro passo para ser realmente livre e dirigir a própria vida. Fui criada em uma família Matriarcal. Tenho uma lembrança incrível da minha adolescência onde na época da formatura da escola, estávamos ensaiando com a banda que ia tocar no baile, eu era a oradora da turma e ia recitar a música do Filme "Ao Mestre com Carinho", e me apaixonei pelo baixista da banda que era bem mais velho que eu, claro, que comecei a cabular aula, mentir, pois queria encontra-lo, fugia para ir aos ensaios, aprontava. E como não era da minha natureza aquele comportamento, logo minha mãe e minha avó foram investigar o que estava acontecendo. Um dia elas me chamaram para ir a Madureira pois minha avó queria comprar umas coisas para o salão e queriam que eu fosse junto. Quando chegamos lá, elas entraram em um prédio e eu sem entender nada, bateram na porta e veio uma senhora e uma moça com um bebe no colo. E aí logo atrás veio o tal músico que ficou completamente surpreso ao me ver e ver minha mãe e minha avó. Foi uma saia justa, mas ali naquela situação entendi muita coisa, principalmente que elas não queriam tolher a minha paixão, a minha felicidade, mas que ao invés de brigar, gritar, proibir, me mostraram que aquele cara mais velho estava se aproveitando de mim e enganando a sua família. Elas eram assim, não deixavam nada passar e nunca tiveram uma postura de castigos, repressão, proibição, sempre foi acolhimento, apoio, amor de verdade. Quando comecei a estudar teatro, mesmo sem entender nada, elas apoiaram, elas estavam presentes, se viravam para que eu tivesse as roupas da moda, as fantasias de carnaval, as festas de aniversário, mas sempre dentro da nossa realidade, sem ilusão, mas com a maior criatividade. 

Fui uma criança muito criativa. Na escola era a Diretora do Grêmio, oradora da escola, organizava as festas, criava as peças de teatro, e na vila que eu morava, enquanto a galera jogava vôlei, ou brincava de queimado, futebol ou qualquer outra brincadeira, eu cuidava do som e do lanche pós brincadeira. Tinha e tenho até hoje uma vitrolinha laranja que estava sempre ligada, e a cada final de brincadeira a festa era garantida na varanda da minha casa com muita MPB e guloseimas. 





FS- Na sua família como as mulheres foram educadas quanto ao protagonismo feminino?

Como escrevi acima, minha avó era incrível e fomos estimuladas a sermos independente muito cedo, nunca houve um julgamento do tipo: "A culpa é sua porque um namoro acaba por ciúme", por exemplo. Era sempre assim: "Acabou porque esse rapaz não a merecia". Ou mesmo quando acontecia alguma coisa na escola, enfim, não era protecionismo, e sim estimulo a auto estima. Lembro que quando saiu aquela moda da calça "cocota" de jeans claro e minha mãe não tinha grana para comprar e eu era muito magrela, minha vó pediu para eu escolher um modelo em uma revista e costurou vários conjuntinhos de calça e jaquetinhas. E quando eu detestava o uniforme da escola pública, ela ao invés de impor, me colocava acessórios, tipo uma meia de crochê linda com um pompom, ou um corte de cabelo diferente, ou até mesmo uma aplique no cabelo. Isso era sensacional, pois elas nunca deixaram eu me sentir feia porque era magra demais, ou porque tinha um nariz grande, ou por qualquer outro motivo. Tudo era sempre muito orgânico, mas o fato era que na nossa família a Mulher sempre foi exaltada e estimulada a ser independente. 
Quando resolvi sair de casa, trabalhar, fazer teatro profissionalmente, nunca fui empurrada ou julgada para profissões consideradas padrões naquela época. Pelo contrário, mesmo elas não percebendo nada do que eu fazia o apoio era incondicional.
Isso me tornou a Mulher que sou hoje, sem medo de recomeçar, sem medo de arriscar, sem preconceitos, e mesmo, quando estou meio deprimida, chateada com alguma coisa, me fortaleço nas lembranças daqueles discursos, daquelas Mulheres, da minha ancestralidade.


FS- Ainda jovem você entrou para a Companhia de Teatro Banduendes. Como foi a experiência e o que o teatro te ensinou?

O Banduendes veio depois da minha experiência em uma turma de Teatro que criamos na Escola Nicarágua, uma escola pública em Realengo, que contratou um professor de Teatro depois de nós pedirmos muito. A partir daquele momento eu sabia que não teria outra profissão que não fosse ligada as Artes. Acho que a tendência é sempre acharmos que queremos ser atriz e aí vamos logo por esse caminho. Quando o Asdrubal Trouxe o Trombone anunciou o Curso de Teatro, eu trabalhava como recepcionista em uma empresa ligada a transportes interestadual e internacional chamada Rodonal e fazia faculdade de jornalismo e morava em Realengo. Achava que não ia conseguir tempo para fazer o curso, visto que só para ir e vir para minha casa ficava em um ônibus pelo menos por uma hora e meia por percurso. Mas como eu não me rendo fácil e minha mãe me apoiava em tudo, fui tecendo a minha colcha de retalhos, usando os conhecimentos e relacionamentos da minha mãe que eram muitos, e consegui um lugar para morar na casa de uma tia, primeiramente e depois na casa de uma amiga da minha mãe. E assim fui parar no Leme no Curso de Teatro do Asdrubal. Parecia um sonho. O primeiro dia do curso eu estava super nervosa, pois não tinha ideia de quem eram as pessoas. Só tinha uma amiga da escola e de Realengo que acabou indo junto, pois sonhava o mesmo sonho que eu, Claudia Puget. Lá fomos nós, depois inclusive, moramos um tempo na casa da Avó dela que era ali no Leme também e mais tarde consegui o meu primeiro apartamento sozinha, que foi na mesma rua onde a gente entrava para o espaço que era dado o Curso. Realmente os Deuses do teatro me abençoaram. Dali para formarmos o Banduendes foi o trajeto natural.

O Teatro me levou ao autoconhecimento, a entender que não existe fronteiras quando se trata de Arte. Ali tinhamos gente de toda a parte, cada qual com seu talento e o Evandro Mesquita e a Patrícia Travassos, nossos mestres e maestros, souberam aproveitar isso, nos tornando especiais. Ali com aquele grupo tão eclético, com cada um trazendo as suas experiências, a troca era muito intensa e fomos também nos descobrindo, entendendo que podíamos ser muitos em um só, que podíamos voar mesmo, viajar em nossas mais loucas inspirações. O Banduendes foi um divisor de águas na minha vida, apesar de antes já fazer Teatro e até mesmo produção (sem saber que o nome era esse) em Realengo, no Clube Grêmio de Realengo, onde fiz a minha primeira “produção” no show do Rei Roberto Carlos em 1978.

 




F.S- Esse ano o Circo Voador completou 40 anos. Quais histórias te marcaram lá?

Bem, eu fiz 60 anos esse ano, imagina quanta história eu tenho no Circo Voador onde estive durante todo o processo de criação e de parte de sua existência né? 

O Circo foi pra mim sinônimo de Libertação, ali podíamos exercitar verdadeiramente os nossos limites, a nossa criatividade, o nosso potencial artístico e até mesmo entender como esse potencial poderia mudar à nossa maneira de ver o outro de ver o mundo. 

Mas uma história muito marcante foi o fato de ter ficado ali dormindo no meu fusquinha quando fiquei sem casa. Não tinha medo, me sentia segura estando ali. Estacionava o carro, fechava as cortininhas que improvisei para ter privacidade e dormia tranquilamente... Vivi cada dia um dia sem medo de experimentar...


F.S - Como você começou a trabalhar com produção?

Amadoramente comecei na min há escola e no Clube Grêmio de Realengo. 

Profissionalmente, foram vários momentos que corriam paralelos. No teatro com o Banduendes Por Acaso estrelados, depois com a Banda O Espirito da Coisa e aí foi uma produção atrás da outra, já perdi a conta pois já se vão mais de 40 anos dedicados a Produção Artística e Cultural.


 F.S- Você trabalhou em produções de espetáculos com bandas que tinham em sua grande maioria homens. Enfrentou algum tipo de preconceito?

Por incrível que pareça, nunca sofri muito preconceito por ser Mulher, sofri mais por não pertencer a nenhum grupo especifico, nenhuma turma. Sempre fui muito livre, muito solta e nunca fiquei nas “turminhas” e isso é assim até hoje. Claro que tenho o meu círculo de pessoas com quem me sinto mais a vontade de trabalhar, de dividir a vida, mas nunca pertenci verdadeiramente a uma turma única, e isso fez e faz com que as pessoas muitas vezes não me convidem a trabalhar... Mas tem uma história interessante sobre isso. Eu viajava com bandas compostas prioritariamente por artistas homens, músicos, técnicos, roadies e eu acaba sendo a única mulher. Muitas vezes dentro da van ou camarim, ouvia comentários bem machistas e até pejorativos sobre fãs e mulheres em geral. Isso me incomodava muito e sempre chamava a atenção deles, dizendo:" Ei Pessoal, tem uma mulher a bordo..."

Normalmente pediam desculpas e com o tempo fui percebendo que esses comentários começaram a diminuir, pelo menos na minha frente...rs







FS- Da vida na estrada quais perrengues você já passou? E na TV qual foi o maior desafio numa época em que não existiam celulares nem internet?

Na estrada forma muitos. Mas tem uma história especial com o artista Flávio Venturini. Fizemos uma tournée passando por várias cidades de MG indo até BSB, e em uma das cidades o material de divulgação do show não havia chegado. Naquela época tudo era enviado pelo correio, fazíamos produção com fichas telefônicas e o correio era a nossa forma de enviar o material para divulgação. A comunicação era muito complicada e tínhamos mesmo que contar com a sorte. Chegamos na cidade e estranhei porque não havia nenhum cartaz fixado em lugar nenhum, não havia chamada na TV local, nem os spots de rádio que havia enviado estavam rodando na rádio. Aí o produtor local estava super nervoso porque não havia chegado esse material e como nós já estávamos na estrada ele não pode avisar.  A sorte foi que chegamos 1 dia antes então arregaçamos as mangas, trabalhamos, fomos a TV, fomos à radio e fizemos uma super força tarefa e o show aconteceu com um público lindo. Na verdade, essa tournée foi cheia de surpresas e muito aprendizado.

Nunca trabalhei muito com TV, fiz algumas coisas para a Marlene Mattos na época da Xou da Xuxa. Via as peças infantis para levar ao programa como indicação. Mas fiz muito programa de TV com artistas que trabalhei e sempre a mesma coisa, tudo marcado pelo telefone fixo e depois com a chegada do FAX, deu uma facilitada. 


FS-Como era conciliar a maternidade com a profissão? Em algum momento você se viu dividida?

Venho de uma linhagem de mulheres que sempre tiveram que trabalhar, minha avó desde muito cedo me ensinou que a Mulher deve ser independente. Minha mãe trabalhava e mesmo com todo o sufoco que era, arrumava tempo para estar comigo e minha irmã e meu irmão. Eu tentei ser o mais presente possível, levava as crianças comigo sempre que podia para os shows, o teatro e até viagens. Nunca parei de trabalhar por conta da maternidade, essa opção não existia. Fui aprendendo no amor e na dor a equilibrar os sentimentos conflituosos e as culpas que muitas vezes sentia. Nunca era fácil sair por 1 mês para outro País como foi quando fui para o Japão com o Lô Borges ou quando fui para Portugal com Capitães de Areia e depois voltei e fique mais 3 meses. Mas era assim, foi a profissão que escolhi e foi com ela que criei minhas crias. Quando vinha a culpa, eu a enxotava pra longe, porque pensava nas coisas que poderia proporcionar as minhas crianças e isso me fortalecia. 

 

FS-A mulher precisa de uma rede de apoio para conseguir se firmar no mercado de trabalho, Qual o significado de Sororidade para você?

Sempre pensei e agi com sororidade, apesar de lá atrás essa palavra não ser a usada. Antigamente ouvia-se muito irmandade, cumplicidade né? Sinto cada vez mais que a Sororidade vem crescendo entre as mulheres, mesmo ainda percebendo que temos um longo caminho a percorrer, pois vivemos em um sistema machista onde as mulheres nem sequer percebem o quanto elas contribuem para esse machismo. 

Então Sororidade pra mim é Irmandade – E torço muito para que as Mulheres percebam que de verdade Juntas Somos Mais Fortes!


FS- No ápice da pandemia você produziu o Festival Conexão Mulheres do Brasil. Qual foi o maior desafio?

Sim, foi um mesmo um desafio juntar as pessoas online, descobrir como fazer, usar os talentos de cada um e principalmente ter a humildade de perceber que ia ser um aprendizado e que errar faria parte.  O maior desafio foi mesmo a parte técnica, pois era tudo muito novo. Uma história muito boa é que eu além de ter criado e feito a Direção Geral do festival, esqueci de um detalhe super importante: Precisava de alguém que estivesse com um olhar de fora, pois eu estava no palco apresentando e não podia me olhar. Então depois de tudo gravado para a exibição, fiquei chocada com os erros primários que cometi, tipo a forma de sentar, virar de costas para a câmera, entre outros... Mas não me senti triste, porque sei que foi natural e com esses errinhos eu aprendi mais uma vez que ninguém pode fazer tudo. Temos mesmo que distribuir as funções, delegar, compartilhar conhecimento e talento.




FS- Como nasceu a Mulher de 50 pode? Mulher pode tudo?

A Mulher de 50 pode... nasceu do meu desejo de mudar o meu segundo meio século de vida, de viver plenamente me redescobrindo, indo à minha essência, buscando a minha unicidade. E foi isso que eu fiz. Fui para Portugal, para ter um ano sabático, espiritual no Projeto da Ativista Espiritual Alexandra Solnado. Alex já era minha “amiga”, havíamos nos conhecido em 1993, quando fui à Portugal com o espetáculo Capitães de Areia e ela era a Assessora de Comunicação do Festival em Lisboa. Naquela ocasião nos aproximamos, e eu depois acabei até voltando para Lisboa e trabalhando com ela. Mas em 2012 tive um sonho com ela e a procurei depois de 20 Anos sem nenhum contato. Quando pesquisei seu nome, abriu uma página que dizia: Alexandra Solnado, a maior escritora de espiritualidade portuguesa.  Levei um baita susto, pois sabia que ela e sua família não eram religiosas e enviei um e-mail, perguntando se ela lembrava de mim e que havia sonhado com ela. Para minha surpresa em meia hora, eu acho, chegou uma resposta dela: “Miúda você não sonhou comigo, eu te chamei. Preciso falar consigo.” - mais uma surpresa – Fizemos um skype e tudo mudou.  Ela veio no fim do ano para o litoral paulista e eu ia passar o Réveillon na Ilha Bela. Combinamos o encontro e desse momento em diante, eu senti que havia mudado algo. Fizemos uma viagem pela BR 101 de SP para o Rio que durou 26 horas, pois é tínhamos muito para conversar. Mas não foi só uma conversa para colocar esses 20 anos em dia, foi uma viagem mesmo, uma viagem no tempo onde percebi que aquele meu desejo de mudança que senti ao completar 50 anos, estava ali se materializando na minha frente. Era como um resgate.  Dali pra frente só pensava em ir para Lisboa, participar do seu Projeto, fazer os cursos, evoluir. 

Em 2013 fui. Desfiz as duas casas, sai do trabalho, que se diga de passagem, estava me sustentando materialmente, mas me consumindo energeticamente. Foi preciso muita determinação para enfrentar todos os julgamentos, e adjetivos que me foram atribuídos por conta da minha decisão.  

Fui de coração aberto, alma limpa, feliz e grata pela oportunidade. Alex me recebeu em sua vida, e foi um processo incrível, libertador, me sentia voando e nesse processo aprendi a deixar a vida fluir e ao invés de querer coisas, aprendi a ficar tenta ao que o Céu enviava, aprendi a ouvir minha Alma e não o meu Ego. Cçlaro que não foi nada simples, o processo é desafiador e mesmo já se passando 10 anos, eu estou ainda no aprendizado, a vigília é constante. 

A BLITZ foi fazer um show em Lisboa e como eu já havia trabalhado com a BLITZ e o Evandro na época do Circo Voador fui ao show para revê-los. Foi então que uma amiga a Júlia Pereira que não via também já ia uns 15 anos, estava com eles na produção. Outra surpresa muitoooo feliz.  O show foi ótimo e nos vimos todos os dias em que ela ficou em Lisboa. 

Veio o fim do ano e fui passar o Réveillon no Porto com uma amiga e outra que iria chegar do Brasil Fizemos uma viagem pelo Norte beirando o Rio Douro que foi incrível e na volta para o Porto, recebo um telefonema do Coordenador da Rádio Record FM de Lisboa, César Casanova, que me convidava para participar de seu programa, pois uma amiga comum havia dito a ele que eu havia resolvido aos 50 anos mochilar por Portugal com duas amigas (Simone e Denise que viajaram comigo pelo Norte). Ele queria me entrevistar, pois a Júlia tinha dado a minha ficha pra ele...rs. Respondi que tudo bem e que depois das festas eu ligaria pra ela. Só que a Denise, a amiga, queria ir a Santiago de Compostela e eu fiquei animada e esticamos as festas, pegamos um ônibus, reservamos uma pousadinha no centro histórico e partimos. Quando voltei para Lisboa, havia esquecido da entrevista, só que o César não havia esquecido e me ligou novamente. E claro, pedi mil desculpas e marcamos a minha ida à Rádio para um primeiro encontro que durou uma tarde inteira e saí de lá com a entrevista marcada para dali há dois dias. No dia da entrevista cheguei no horário marcado e entrei no programa que era ao vivo e o ouvinte participava. Foi uma doideira, o telefone tocava muito, muitas mulheres perguntando como eu me sentia aos 50 anos fazendo essa aventura, como eu me relacionava amorosamente, se eu tinha algum arrependimento, enfim... fiquei 1 hora no ar. Quando acabou o programa ele me convidou pra voltar e foi assim umas três vezes, e em todas elas o programa bombava. Até que ele me chamou para ter mesmo um quadro no programa 1 vez por semana, eu achei incrível. Mas falei que precisava ter um nome, se ele se importava. Aí ele respondeu: Claro que não. Você é uma Mulher de 50 que pode tudo.  Pronto eu falei o nome então vai ser Mulher de 50 pode... - as reticências são para reforçar que podemos ser o que quisermos, estar onde quisermos, viver da forma que quisermos porque podemos tudo.

A Mulher de 50 pode... então ficou 9 meses no ar na Rádio Record FM de Lisboa e pariu sua primeira cria, o Espetáculo Mulher de 50 pode... que estreou no Teatro do Bairro em Lisboa e no Cassino Estoril com apresentações lotadas todas as noites.  Quando voltei ao Brasil em 2015 tentei muitas vezes montar o espetáculo aqui para dar continuidade ao projeto, mas apesar de conhecer muita gente, não consegui montar o espetáculo original. Foi então que a Vanessa Goulartt e a Cris Simões me estimularam a montar o Side Show Mulher de 50 pode... comigo no palco contando as várias histórias dessa Mulher que aos 50 Anos chuta o balde. Criei o texto e montei o Side Show com a ajuda de muitas amigas. Estreei no espaço Vinho em Foco que pertencia a Vanessa Goulartt, Cris Simões e Fabiana de Paula, com um desfile emblemático onde Mulheres de 50 + anos vestiam a coleção do Ateliê Cretismo da Estilista e consultora de Imagem Marah Silva do RJ. O Side Show ficou em cartaz 2016 e 1017 por vários espaços em SP e uma apresentação histórica no Beco das Garrafas no RJ.  

Hoje a Mulher de 50 pode... é a minha Empresa de Produção Artística que realizou o Festival Conexão Mulheres do Brasil em 2021 e a turnê do espetáculo Autobiografia Autorizada com Paulo Betti em 2020 em Portugal. 







 

F.S- Em um balanço feito em 2021 pelo Grupo Gay da Bahia ( GGB) o nosso país foi tido como o mais violento. A cada 29 horas um LGBT é assassinado. Você foi Diretora de Cultura da Câmara de São Paulo e teve um trabalho significativo em prol da causa LGBTQI + . teve alguma história que te marcou?

Foi um dos maiores desafios da minha vida. Não tinha ideia do quanto o preconceito é entranhado na gente, mesmo que tenhamos muitos amigos gays, amigas lésbicas, travestis e pessoas trans. Infelizmente esse preconceito ainda está longe de terminar e ele começa mesmo em casa. Quando fui Diretora de Cultura da Câmara LGBT do Brasil, eu era a única mulher da diretoria e ali naquele espaço sofri preconceito onde deveria não haver preconceito nenhum. Muitas vezes em reuniões da minha pasta, era ignorada pelos homens que estavam ali, eles só se dirigiam aos gays da Câmara, pois não concebiam uma Mulher que não se declarava lésbica ou não tinha o estereótipo do imaginário deles, estar naquela diretoria. Para eles não contava a minha experiência profissional de 40 anos dedicada a Cultura e Entretenimento no País, não interessava o meu interesse em promover a Cultura LGBTQIA+ , nada disso importava. Era o Preconceito velado.  Fui até onde pude. Fiquei 4 anos na Câmara e sou grata ao Presidente Ricardo Gomes que confiou em mim, me respaldava e me ensinou muito sobre o universo e tudo o que envolve a Comunidade LGBTQIA+. 

Tem uma história linda que aconteceu na Conferência Internacional da câmara em 2019 que me marcou muito. Foi o primeiro ano que a Cultura ia ter um dia inteiro de palestras, roda de bate papo e atrações artísticas. Foi muito desafiador montar toda a programação, convidar pessoas para debaterem a Cultura LGBTQIA+, o mercado artístico entre outras questões.  Convidei uma poetisa da Casa Florescer aqui de SP que já havia visto em um outro evento, para declamar um texto escrito por ela. Foi mesmo emocionante, pois quando ela terminou, as pessoas emocionadas aplaudiam de pé. Foi quando ela me abraçou e disse que eu a Honrei com aquele convite e que pela primeira vez os pais dela estavam a vendo no palco. Choramos abraçadas e no fundo quem se sentiu honrada fui eu, e a agradeci muito por aquele momento.



F.S- O que você aprendeu no mercado corporativo? Qual foi a importância dessa experiência na tua vida profissional ?

Cheguei em São Paulo em 1998, depois de chegar do Japão. No meu coração já sabia que viria, mas não imaginava nunca que fosse ser tão rápido. Logo que cheguei, liguei para a Cida Ayres, minha amiga e ela tinha acabado de falar de mim para a empresa que na época ia construir o Xuxa Water Park e ela tinha me indicado para a área artistica. Nem pensei duas vezes... Em Janeiro de 1998 estava eu já em SP e logo em seguida a familia. Só que o parque não foi pra frente e eu não podia voltar pra trás. Então ia rolar a inayguração do Hopi Hari e acabei indo parar lá por conta queima de fogos que tinha que acontecer e eu sabia todos os tramites de liberação para isso acontecer. A empresa que estava responsável pela inauguração do Parque era o Banco de Eventos e como deu tudo certo, acabei indo parar lá em uma entrevista com a Diretora do BE. Quando mostrei meu CV ela imediatamente lançou um desafio, pois estava com um projeto para lançar o primeiro cartão virtual do mercado e iam usar um para divulgar um Reality. E assim aconteceu o primeiro Reality do Brasil chamado e-card 99 dias, onde um rapaz, o e-moço e uma moça, a e-moça ficaram cada um apto no RJ e SP e viveriam 99 dias nesses apartamentos, onde entrariam só com a roupa do corpo e la teriam um computador e com esse CC virtual mobiliariam e viveriam do e-commerce. Esse projeto foi o maior desafio, eu era o Boninho do Reality... (rs) Programa a semana do e-moço e da e-moça e acompanhávamos e transmitíamos em tempo real a vida deles nesses aptos. O detalhe é que em 2000 a internet ainda era discada e ninguém tinha feito nada parecido. Esse foi o meu primeiro evento coorporativo, fizemos 200 eventos - 100 em cada apto durante os 99 dias que eles ficaram lá sem poder sair. Esse evento ganhou prêmios e virou um livro. Depois dessa experiência eu percebi que a minha experiência na área artística poderia ser usada na área coorporativa e assim desde então trabalhei em muitos eventos como Produtora Artística e tive por um período uma agencia que atendeu a Editora Globo durante 6 anos em praticamente todos os seus eventos e projetos especiais. Foi um aprendizado e tanto e cada vez mais hoje o artístico trás frescor para o coorporativo.


F.S-Como você vê a situação atual dos trabalhadores da cultura no Brasil?

A Cultura de certa forma, sempre foi marginalizada né? Tivemos períodos muito obscuros durante a Ditadura Militar e mesmo depois fomos conquistando espaços por conta de muita determinação e resiliência. Infelizmente vivemos um retrocesso com esse Governo atual que tenta o tempo todo manchar nomes, incitar com mentiras a volta de uma censura em nome da família tradicional. Mas sinto ao mesmo tempo que isso está fortalecendo o mercado e as coisas estão vindo à tona, como shows com cachês abusivos, mobilização dos artistas em prol das leis de incentivo, mobilização dos produtores e técnicos para derrubar os falsos profissionais do mercado que usam a Cultura para mascarar suas falcatruas. Inclusive os artistas descendo daquele pedestal que a vida toda foram colocados, como se estivessem acima do bem e do mal. Veja bem, a minha colocação é mesmo em função de estarmos todos indo à luta para tirar esse Governo daí, pois sempre foi através Arte que as mudanças aconteceram.  Cada vez mais dentro da Cultura de forma geral os espaços estão sendo definidos e isso amplia a categoria. Antigamente a gente fazia tudo, produzia, ia atras do dinheiro e muitas vezes tinha que montar o palco, e até operar luz e som... rs  Hoje temos cada um no seu lugar, com a sua função e isso é bom para o mercado, pois fica quem tem mesmo competência para exercer a função a que se propõe.




Quais seus planos e projetos para 2022?

Já estamos na metade do ano e parece que o ano começou ontem, pois me sinto planejando e começando todos os dias. 

Estou muito empenhada em fortalecer o programa Conecta com Denise Prado que é transmitido pelo canal Play Brazil Rádio diretamente de Portugal e UK todas as quartas feiras pelo FB e Youtube e as quintas-feiras pela Rádio. Procuro sempre levar assuntos relevantes de Comportamento e Arte, através da música, teatro, cinema literatura e quaisquer assuntos que seja relevante e que leve ao ouvinte a uma reflexão e inspiração. 


Também estou junto à Casa da Língua Portuguesa, programando a parte 2 da Tournée do espetáculo Autobiografia Autorizada com o ator Paulo Betti para outubro e novembro. Já temos umas datas acertadas e agora estou buscando um apoio para as passagens aéreas... Quem se habilita? 


E preparando a terceira Edição do Festival Conexão Mulheres do Brasil -Torcendo aqui pelas boas notícias. 


No mais desejando de verdade que esse governo caia urgente e que o Brasil possa a voltar a viver coma dignidade que merecemos!


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