Companheiro - o velho Di Giorgio
Foto: Tatiana Valente
Foi ao banheiro para assoar o nariz e se livrar das secreções da sinusite e da faringite que tinham lhe tomado a voz naquele inverno. Olhou para o espelho. Se viu refletida nele com a testa enrugada de preocupação. "Tal como meu pai", pensou.
Voltou para seu plantão de frente para a sala dos professores. Estava tensa, de semblante sério, o oposto do habitual. O coordenador de seu curso ao vê-la daquele jeito perguntou:
" Por que essa cara de desenxabida?", preocupado.
" O professor de telejornalismo deu uma prova surpresa e como o senhor pode ver estou quase sem voz, é meu instrumento de trabalho. Não pude vir à aula, estava com febre e ele me mandou um recado: não me dará outra chance. Vim fazer a prova!", contou irritada.
Neste momento o professor chegou e ela pediu a ele que por gentileza relevasse o estado de saúde dela. Ele não arredou pé, ela ficaria sem nota e de recuperação.
O coordenador ao ver o desespero da menina tentou intervir mas ouviu do professor: " vou dar aula em outra sala e não tenho como aplicar essa prova".
Ela sagaz devolveu:
" O senhor está ocupado agora coordenador? Posso fazer essa prova na sua sala? O senhor poderia me aplicar?"
" Claro, pode ditar as perguntas professor, eu tomo conta.", respondeu para o alívio da estudante.
O professor contrariado ditou as perguntas e ela partiu para escrever as respostas. Fazer aquela avaliação passou a ser questão de honra. Fazer valer o que lhe era de direito.
Algum tempo depois esse mesmo professor foi visitar seu pai -eram amigos de velhos tempos- e vejam que ela nunca teve privilégios por ser filha de quem era. Ela sempre quis seguir seu caminho- era o certo. Assim como o pai seguiu e se tornou o profissional respeitado que é por mérito próprio.
O professor contou o ocorrido para a mãe da menina. Não mentiu e ainda disse que tinha sido duro com ela. E rindo muito fez a seguinte comparação:
" Sua filha é bocuda. Deu um jeito de fazer a prova e tirou dez. Essa vai ser uma boa jornalista.'Raçuda' igual ao pai', concluiu.
O pai dela era determinado mesmo. Perdeu os familiares muito novo e cresceu praticamente sozinho com o apoio de primas e tias. Andava pelas ruas de terra da zona rural onde morava com seu violão debaixo do braço. Gostava de livros e de música. Foi para a cidade grande estudar onde teve a boca beijada pelas palavras e fez delas seu meio de sustento, sempre com muita honestidade, usando o poder de comunicação em benefício dos cidadãos da cidade onde fez morada e criou os quatro filhos.
A hoje mulher quando vê as marcas de expressão que tem na testa se lembra de quando olhava para o pai, preocupado com o que escreveria para os leitores do amanhã .
Ele é sua referência, seu reflexo.
E assim como na música de João Nogueira, seu maior medo "é o espelho se quebrar..."
É essa belíssima canção - parceria de João com Paulo Cesar Pinheiro lançada em 1977 que minha quinta da saudade vai dividir com vocês...
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