Logo no início da pandemia foi resolvido que as crianças ficariam em casa e os estudos seriam feitos com os pais, o chamado "homeschooling ". Todos nós pegos de surpresa, recebíamos pelo site do colégio os planos de aula e um roteiro a seguir (quais os capítulos e atividades a serem realizados).
Tirando a Matemática (que para mim é extremamente difícil) foi muito gostoso relembrar com eles os meus tempos em sala de aula, lecionar Português, Ciências, Inglês, Geografia, Artes e História.
Para quem gosta de Literatura como eu, saber o contexto histórico é como abrir as portas do incrível mundo de Sherazade (a personagem do clássico As Mil e uma Noites ).
É conhecer a fundo o que se passava no mundo em determinado momento para explicar o mote da arte e como se configurou a cultura de determinados povos.
A primeira aula foi muito divertida: já tinham visto em sala a história dos índios, então partimos para a chegada dos portugueses no Brasil e a apostila trazia como proposta uma busca pelos nossos antepassados.
Sou por parte de pai e mãe uma mistura de bugres (muito provavelmente da tribo do" puris" que habitavam o fundo do Vale do Paraíba), de irlandeses e portugueses que vieram para cá e se estabeleceram em suas terras ou fazendas.
Daí o capítulo seguinte me deixou um tanto preocupada: era hora de falar sobre a chegada dos negros no Brasil. E esse papel desta vez não seria da professora e sim o de formadora de opinião - tocar num assunto que mexe muito comigo.
Como dizer ao meu filho que nossos antepassados tão celebrados um capítulo antes agiram com tanta maldade com irmãos que foram trazidos para cá de uma forma tão cruel?!
O material trazia um trecho do navio negreiro e uma canção do Jorge Ben Jor "Zumbi". Por conta mostrei ao meu filho um vídeo de uma montagem muito bem feita com Paulo Autran declamando Navio Negreiro de Castro Alves ilustrado por cenas do filme Amistad.
Ao mesmo tempo via os olhinhos estalados do pequeno, e segurava minhas lágrimas para não deixá-lo mais assustado ainda. Expliquei a ele, o significado do que era ser escravo, como foram tratados, e quem foi o Zumbi da música de Jorge Ben.
Fizemos a leitura do texto da apostila e respondemos às perguntas, uma delas de quais lugares da África foram trazidos. Uma hora e meia após, disse a ele que nossa aula terminava ali.
Gabriel, aos 8 anos me olhou e disse: "mãe, tudo isso é muito triste", e saiu da sala. Foi pro quarto desenhar com sua ingenuidade de menino, que já foi vítima de preconceito por outros motivos.
Respirei fundo e me senti aliviada. Minha função como mãe e como educadora estava feita: é só por meio da informação que podemos acabar com o racismo.
As crianças nascem sem preconceitos. Nossas atitudes como pais as conduzem para tê-lo. É nosso papel rejeitar e lutar contra toda e qualquer manifestação preconceituosa para que os sangues derramados nas senzalas não respingue nas futuras gerações.
É INADMISSÍVEL que ainda existam atitudes preconceituosas em nosso país. Uma frase de Renan Inquérito resume tudo :"...quem não tem sangue negro correndo nas veias tem nas mãos".
E é com o Canto das Três Raças e Clara Nunes que encerro a semana.
Viva Zumbi dos Palmares!
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