FS - Seu talento musical foi descoberto por um professor do colégio. Como foi que aconteceu?
Eu já estava no colegial e apesar de gostar de cantar e ter tido o privilégio de nascer numa família de músicos, eu era bem tímida. O Valter Barbosa da Costa era professor de literatura e tinha um jeito muito moderno de lecionar. Ele levava o violão para a sala de aula, contava histórias das músicas brasileiras, de seus autores, estimulava o conhecimento e o pensamento crítico de uma forma muito natural. Um dia anunciaram aulas de Teatro e Música no Colégio, me inscrevi e o professor do curso era ninguém menos do que o meu professor de Literatura, a turma era enorme, e eu era uma aluna observadora, mas pouco participativa. Um dia choveu muito e toda a turma faltou. Eu fui. O Valtão pegou o violão, começou a cantar uns sambas (e samba eu conhecia bem). Cantei junto. Ao ouvir minha voz, o mestre disse: "Nossa, você canta bem! Está escalada pra cantar na próxima festa da escola"...Daí em diante virei a cantora do Colégio Santa Mônica e aprendi, também com o professor Valter, que a gente precisa se envergonhar das coisas feias que moram na gente, as belas, a gente precisa dividir com o mundo.
FS Quais cantoras fizeram parte da sua formação musical?
A minha primeira grande referência vocal foi o canto da Magda Santos Ferreira, a tia Guiga. Minha tia cantava (e canta!) todos os choros gravados pela Ademilde Fonseca e pela Carmem Miranda. E com ela eu aprendi a ouvir essas grandes vozes da música brasileira. Gosto muito de vozes femininas e há muitas cantoras presentes na minha formação: Clara Nunes, Beth Carvalho, Gal Costa, Elis Regina, Mônica Salmaso, Marisa Monte, Carmina Juarez, Carol Saboya, Zizi Possi.
FS- E sua ligação com o choro como surgiu? Conta pra gente como era a roda de choro na barbearia do Seu Julinho.
Minha ligação com o choro surgiu das rodas de violão em dias de festa da família. Meu tio, Edinho Chiaradia, era primoroso na baixaria (técnica de acompanhamento ao violão, onde o instrumentista explora as regiões mais graves do instrumento, muito característico do choro e do samba), e a tia Guiga sabia cantar todos os choros possíveis e imagináveis. Meu primeiro show foi produzido pelo Rabicho e ele chamou um time de músicos maravilhoso pra me acompanhar, entre eles estavam Eurico de Souza, Newton Delfin e Dudu Mendonça, que eram da turma da barbearia...Ficamos amigos e a barbearia do Seu Julinho era o nosso ponto de encontro semanal. Era lindo, genuíno e inesquecível. Uma roda de profissionais e amadores, onde todos eram tratados com o mesmo valor. Eu gostava de ficar ouvindo e me sentia importante no meio daqueles mestres.
FS- Você fez parte do coral de Universidade de Mogi das Cruzes. O que o canto coral te ensinou?
O canto coral me ensinou que a música é um trabalho coletivo, onde um precisa do outro, e que fazer arte acompanhado é sempre muito mais legal.
FS- Você cursou Publicidade e Música ao mesmo tempo em cidades diferentes. Em algum momento pensou em desistir?
Na minha época não havia faculdade de Música; quem se interessava pelo estudo, ou ia pra algum conservatório particular ou ia para as escolas estaduais de Música, que foi meu caso. Eu estudei Canto Popular na ULM (Universidade Livre de Música). Não é uma graduação, mas é uma escola muito importante, onde os melhores músicos do Brasil atuam como professores. Para se ter uma ideia, Tom Jobim foi o primeiro reitor e presidente do conselho de lá. Estudar na Universidade Livre de Música era um sonho, e fazer a faculdade de Comunicação Social, em paralelo, na UMC, não foi um peso. Aliás, eu ingressei primeiro na faculdade de Comunicação Social. Eu via algum diálogo possível entre a música e a comunicação, mas estava carregando uma sensação de que não queria viver daquilo e decidi prestar as provas da Universidade Livre de Música. Então no segundo ano da faculdade de Comunicação Social, estreei o primeiro ano de estudo do Canto Popular. O primeiro curso tinha duração de 4 anos e o outro de 3. Terminei juntinho. Era cansativo, eu saia de manhã de Mogi, fazia as aulas de música, pegava o trem, descia na estação Estudantes, e ia para as aulas de Comunicação. Mas nunca pensei em desistir; eu sabia que era importante e meus professores de Comunicação me ajudaram muito na divulgação do meu primeiro show, em 2004. E me lembro que no dia da formatura, os professores e as professoras do curso de Comunicação, me cumprimentavam e diziam: "Boa Sorte na música!".
FS- No CD Estreitos Nós você gravou compositores mogianos como PH, Henrique Abib, Rabicho, Rui Ponciano. Como foi a escolha deste repertório?
O Estreitos Nós começou como projeto virtual, feito para a plataforma do YouTube, em 2013. Eram encontros musicais que mostravam a música sem edição, sem o "volta que deu errado", representava as rodas musicais de amigos, que se encontram para um café e mostram uma composição, que entregam a primeira parte de uma letra e encomendam a melodia, enfim, uma homenagem às amizades. Depois, aconteceram os shows e, por fim, o CD produzido no EMAM (Estúdio Municipal de Mogi das Cruzes). O repertório já existia na minha memória afetiva, cada canção tem uma história que se intercala com a minha própria história, então foi um processo espontâneo. E, claro, faltaram muitas músicas. Escolher 10 canções não é tarefa fácil, e, para enxugar o repertório contei com a ajuda do PH, que assinou a produção.
FS- Como é conciliar a música e a maternidade? O que Bento escuta?
Não me sinto de forma alguma dividindo as funções. Ser mãe e cantora são as melhores manifestações do que o amor representa para mim, mas aqui em casa fazemos as divisões do tempo de acordo com a demanda de nossos trabalhos: Quando dou aulas de canto, Tião, meu amor e papai do Bento, fica com ele. E quando o Tião está em reunião, sou eu quem fico. Tem sido assim desde o início da quarentena. E tem funcionado. Antes do Bento nascer, eu já havia diminuído as apresentações em bares para me dedicar a projetos de shows, e quando me apresento, o Bento fica na plateia, no camarim, acompanha os ensaios e tudo mais. Quero que a música seja um lugar que represente alegria para ele... Ele ouve música clássica, adora o violoncelista Yo-Yo Ma, Hélio Ziskind, Fortuna, Palavra Cantada, Tiquequê...
FS- Vem Projeto novo pra 2021. Qual a importância de incentivos culturais como a Lei Aldir Blanc?
Eu me inscrevi no edital emergencial da Lei Aldir Blanc através da secretaria de Cultura de Mogi das Cruzes, com o Show Estreitos Nós. A proposta é contar a história das músicas de todas as edições apresentadas, em uma série de vídeos dividida em 3 episódios: No primeiro episódio apresentaremos as músicas que fizeram parte do show de estreia, em 2013, e não entraram no CD. No segundo, será mostrado o repertório do CD. E no terceiro, vamos reunir todas essas canções.
A Lei Aldir Blanc, como todos os programas de incentivo à cultura, é fundamental para o artista e para a sociedade. O artista consegue fomentar cultura e empregar, enquanto movimenta e fortalece a identidade de um lugar. Isso não é pouco. Nessa pandemia foi, para muitos de nós, o único caminho possível.
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