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Entrevista : Paulo Henrique PH

Foto : @beraldofoto 

Um dia um rapaz chamado Caipirerê resolveu seguir seus sonhos. Partiu de sua terra natal subindo a Mogi-Dutra, em direção à São Paulo, contemplando as belezas da Serra do Itapety. 

No caminho foi se lembrando de seu passado, da infância em Mogi embalada por músicas de compositores mineiros, e da adolescência que teve como trilha todos os nomes da Música Popular Brasileira - uma grande escola para quem aprendeu a tocar  violão pelas revistas que traziam as cifras nas letras. Foi então seguindo rumo ao seu futuro e à capital. 

 Com sua humildade e competência  fez  laços musicais ao longo de sua trajetória em São Paulo amizades e parcerias com músicos  que admirava ainda jovem : Paulinho Pedra Azul, Murilo Antunes, Toninho Horta. Lá conheceu também sua esposa e parceira musical : a bela e fantástica violinista Mariana Ribeiro.

Caipirerê  tinha os olhos para o futuro mas era muito ligado às suas origens, e trazia em seu coração seus parceiros mogianos : Pedrão, Rabicho, Henrique Abib, Meyson, Seu Eurico, Aline Chiaradia, Rui Ponciano. Waldir Vera, Mateus Sartori, Gui Cardoso, Ulisses Garcia, Serginho Machado, Ricardo Vergueiro, Juá de Casa Forte, Yrapoan Jr, entre outros tantos que assim como ele mostram em forma de canção o que há de mais belo na cidade onde vivem. Era também no coração que ele trazia as rodas de choro na Barbearia de Seu Julinho e os ensinamentos de Mestre Eurico que o acompanha até hoje. 

Na Orquestra de Mogi regida pelo Maestro Marcelo Jardim fez arranjos para Ivan Lins,  Milton Nascimento, Flávio Venturini, Lô Borges, Elba Ramalho e Moraes Moreira. Com Moraes, fez ainda a música "Escola de Samba Brasil"

Paulo Henrique PH, é o personagem principal desta história que acabo de contar. O entrevistado de hoje tem ótimas histórias que hoje divido com vocês aqui no Blog.


FS- Você é mogiano mas têm um laço hereditário com Belo Horizonte. O que ouvia na infância?

 Eu sou mogiano, a família da minha mãe é de Mogi, mas a família do meu pai é de Belo Horizonte, MG. Tendo um pai mineiro e mãe mogiana sempre convivi com essas duas culturas em minha vida: meus avós mineiros e meus avós mogianos. Da minha família mineira guardo muitas lembranças das viagens pra Minas desde criança e tenho muito carinho por todos de lá. Desde criança sou interessado por música, mas foi um Tio irmão da minha mãe, Tio Eduardo, que me levou de uma forma mais efetiva pra prática de ouvir música. Tinha a Disco 12 aqui em Mogi, anos 80, uma loja onde se alugava discos de vinil e eu e meu tio alugávamos e passávamos os fins de semana ouvindo e gravando fitas cassete. Eu tinha coleção de fitas cassete aos 10 anos de idade. Foi nessa época que eu conheci Beto Guedes, Lô Borges, 14 Bis, Sá e Guarabyra, Boca livre,  Milton Nascimento, etc... Também ouvíamos muito Legião urbana, Paralamas do Sucesso, Biquini cavadão, Lulu Santos, Guilherme Arantes, Kleyton e Kledir, etc... Logo eu comecei a colecionar discos de vinil, e aos 12 anos eu já tinha muitos discos, coleção que tenho até hoje!! Eu tinha um outro tio, irmão da minha mãe, chamado Célio e ele me apresentou o Chico Buarque e o Caetano Veloso, e tinha um outro tio irmão do meu pai, Tio Cláudio que gostava de Raul Seixas então aos poucos fui conhecendo os grandes nomes da MPB.

Através dos meus parentes mineiros eu conheci outros cantores mineiros, tinha uns discos na casa da minha Tia Luzia, em General Carneiro – Sabará do  Saulo Laranjeira e do Tadeu Franco que eu sempre ouvia quando estava por lá e através de um primo chamado Elton eu conheci o Paulinho Pedra Azul, ele me disse: - “Você gosta do Clube da esquina então você vai gostar desses discos aqui!” E ele me deu dois discos do Paulinho: “Uma janela dentro dos meus olhos” (1984) e “Sonho de menino” (1986) e eu adorei!!! Comecei a comprar tudo que achava do Paulinho e me aprofundei em seu repertório. 

F.S - Qual foi seu primeiro instrumento ? Tinha algum músico como referência?

Meu primeiro instrumento foi o violão que ganhei aos 15 anos e como autodidata fui aprendendo a tocar com aquelas revistas “Violão e Guitarra”. Eu tocava nas festas de família e no repertório sempre estavam músicas do Fagner, Belchior, Chitãozinho e Xororó, Alceu Valença, Raul Seixas, etc. Aos poucos fui me aprimorando e mais ou menos com 18 anos eu já estava tocando músicas mais difíceis: Beto Guedes, Boca livre, Sá e Guarabyra, Milton Nascimento, Tom Jobim, Chico Buarque, Edu Lobo, Tavito e fui me interessando pelo lado B da MPB, tanto que eu já começava a frequentar os bares da noite mogiana da época: Café Chandon, Patusca, Barão Davilin e Baratotal e começava a dar umas canjas com os músicos da época: Celso Andrade. Ulisses Garcia, Vital de Souza, Xerox, Joca Pacca, Milton Bloise, Ditinho, Serginho Machado, Waldir Vera, Cida, e tantos outros. Nessa época conheci o Rui Ponciano que me impressionou muito por cantar suas próprias composições e plantou em mim a vontade de ser compositor.

F.S- Do curso de Mecânico para a Universidade Livre de Música (ULM) . Como aconteceu? Por que a escolha do violoncelo?

No começo da década de 90 eu passei a tocar no noite mogiana mas meu pai me orientava a ter uma profissão e como ele trabalhava na área, eu acabei estudando SENAI e depois fiz Técnico mecânico na ETE Presidente Vargas. Trabalhei dos 15 aos 20 anos na Kimberly Clark como torneiro mecânico e quando fiz 20 anos deixei a fábrica e decidi estudar música em SP. Acabei escolhendo o Violoncelo pois eu julgava ser um instrumento com menor procura, então seria mais fácil de entrar na ULM, pois o violão tinha muita procura por vagas... e foi isso que aconteceu, entrei no curso de violoncelo em 1997.

F.S O que a ULM te proporcionou?

Me proporcionou muitas experiências pessoais e estudantis, pois estudei violoncelo, harmonia tradicional, harmonia popular, contraponto, história da música, história da MPB e participei de práticas de conjunto até entrar na Orquestra Sinfônica Jovem do estado de São Paulo, a “estadualzinha”, onde toquei de 2000 a 2004 e conheci minha mulher Mariana que tocava no naipe dos violinos. Nessa época tive aula com Julio Bellodi que depois passou a ser um de meus principais parceiros musicais além do Bellodi tive a honra de estudar com: Watson Clis, João Maurício Galindo, Cyro Pereira, entre outros grandes mestres.

Nessa época também tive a chance de trabalhar dando aulas de violoncelo no Projeto Guri que foi muito importante na minha carreira.

F.S  Como foi o encontro com Paulinho Pedra Azul?

Eu fui a um show do Paulinho em 1997 no Centro Cultural da Vergueiro e nessa época eu já tinha minhas primeiras parcerias com o Rabicho e conhecia muito bem a obra do Paulinho, sabendo que ele gostava de fazer letras. Depois do show fui comprar um CD e pedir um autógrafo e eu perguntei se eu poderia mandar umas músicas pra ele fazer a letra e ele muito simpático disse que sim, me passou seu endereço e escreveu no CD “Para Paulo Henrique com abraço do novo parceiro Paulinho Pedra Azul”. Eu morava numa república em SP com alguns amigos e mandei 4 músicas numa fita cassete via sedex pro Paulinho e numa noite recebo uma ligação dele dizendo que tinha feito as quatro letras!! Foi muita alegria e emoção! No ano seguinte ele já gravou uma parceria nossa “Poema e canção” no cd dele “Samba canção” (1998) e a partir daí muitas portas se abriram pra mim desde que fui apadrinhado pelo Paulinho e hoje, depois de mais de 20 anos de parceria temos mais de 50 músicas e continuamos compondo frequentemente.

F.S Como surgiu a parceria com Toninho Horta?

Eu conheci o Toninho num masterclasse que ele deu na ULM no ano de 1999, ele precisava ver seus filhos em Santos e não tinha quem o levasse. Eu ouvi a conversa e me dispus a levar o mestre no meu carro se ele topasse. Ele disse “- É mesmo? Então vamos tomar um chopp antes!” Assim eu tomei um chopp com o maestro e levei ele pra Santos no meu Voyage. Depois que voltamos ele iria pra um hotel mas como eu morava perto do aeroporto eu falei se ele não queria dormir na nossa república (TH) que era perto do aeroporto que eu levava ele no outro dia, pra minha surpresa ele topou! Passamos num "seven eleven", compramos umas cervejas e eu fiquei tocando minhas músicas pro Toninho até altas horas da noite. Nesse dia eu dormi na sala e ele dormiu na minha cama que ficava no mesmo quarto que meu amigo Brogin, que quando acordou desceu assustado pra sala e me disse: “-PH tem um cara igualzinho o Toninho Horta dormindo na sua cama!!” (risos)

Nesse dia levei o Toninho pra tomar café e depois levei pro aeroporto e ele me disse que quando estivesse em BH e precisasse de alguma coisa podia contar com ele. Assim eu já tinha o contato do Paulinho e do Toninho então decidi gravar meu primeiro CD em BH contando com esses dois grandes padrinhos. Juntei uma grana e fui passar uns 20 dias na casa da minha Tia Rita em BH com intenção de gravar umas músicas que depois eu complementaria em SP. Deu tudo certo! Gravei umas faixas e contei com a participação do Paulinho Pedra Azul, Toninho Horta, Telo Borges, Marilton Borges, Neném, Ezequiel Lima, Dado Prates, e outros grandes músicos mineiros.


F.S-  Do menino que ouvia Clube da Esquina à parceiro de Murilo Antunes. Como se sentiu ao fazer música com um ídolo? .

Eu conheci o Murilo através do Paulinho, no período em que estava em Minas gravando as faixas pro meu primeiro CD. O Paulinho me convidou pra um encontro num bar chamado Cozinha de Minas onde estavam muitos grandes artistas mineiros: Fernando Brant, Tavinho Moura, Sergio Santos, Juarez Moreira, Flavio Henrique, Murilo Antunes, Paulinho Pedra Azul, etc. Nessa noite depois da reunião deles fomos pra uma outra mesa e o Paulinho buscou o violão no carro e deu pra mim dizendo “-Toca as nossas!” fiquei tocando as nossas e chegou na mesa o Juarez Moreira, Flavio Henrique e Murilo Antunes. Eu tremi na base, mas continuei a tocar e o Murilo sentou com a gente. Eu estava diante do mestre que tinha composto clássicos como Nascente, Tesouro da juventude, Besame, Era menino, Nenhum mistério, Isabel, Pela claridade da nossa casa, etc... fiquei muito emocionado e já com algumas cervejas e cachaças tive a coragem de mostrar uma música sem letra pra eles e mostrei o “Pensamento passarinho” que era um tema que eu tinha com o Rui Ponciano e estava sem letra. O Murilo ouviu, ajeitou os óculos, pegou um guardanapo e começou a escrever a letra!! O Paulinho também fez parte da letra e assim eu inaugurei uma parceria inédita do Paulinho com o Murilo sendo os dois de Pedra Azul, nunca tinham feito nada juntos! E foi essa música que o Toninho Horta gravou no meu CD dias depois!

Naquela noite o  Murilo me convidou pra ir até sua casa no domingo seguinte e lá conheci Marcio Borges e Chico Lessa e pude tocar essa nossa primeira parceria. Naquela semana fizemos mais três musicas que entraram no meu 1° CD “Samba de uma nota a mais”, “Luz própria” e “dá cá meu pirão” e depois disso embalamos muitas outras e continuamos compondo e produzindo bastante até hoje, onde temos quase 50 músicas em 20 anos de parceria. Muita honra! Inclusive temos um projeto eu, ele e Paulinho Pedra Azul o “Trio Sambrancelhas” que é um trio cantando nossos sambas. Será um CD  que eu já fiz os arranjos e temos planos de gravar em 2021.

Nessa temporada que passei em BH também tive a chance de frequentar os bares mais quentes da época: Aqui ó (do Toninho Horta), Bar da estação, Cine Belas Artes entre outros; e foi no “Aqui ó” que tive a honra de pagar umas cervejas, conversar e beber com Beto Guedes e até cheguei a tocar caxixi sob sua regência, nas jams que eles faziam por lá! 

F.S -Você participou da Orquestra de Mogi, do Maestro Marcelo Jardim. Como foi a experiência?

Foi uma experiência incrível, pois além de tocar violoncelo eu tive a chance de fazer arranjos pra orquestra. O Marcelo tinha muitos contatos com grandes artistas do Rio de Janeiro e todo aniversário de Mogi ele trazia grandes nomes pra se apresentar com a orquestra, só que não tínhamos os arranjos, então ele incentivou alguns músicos da orquestra que tinham mais habilidades de escrita para fazerem os arranjos entre eles estava eu! Assim comecei a escrever as grades com orientações do Marcelo e tive a honra de fazer arranjos para Ivan Lins,  Milton Nascimento, Flávio Venturini, Lô Borges, Moraes Moreira, e Elba Ramalho, além de fazer arranjos para outros concertos com cantores mogianos como Aline Chiaradia, Henriette Fraissat, Waldir Vera, Mateus Sartori, entre outros. Inclusive quando fizemos o concerto com Moraes Moreira eu tive a chance de mostrar um samba que estava começando a fazer pro Moraes e ele muito generoso me deu uma segunda parte em parceria! Assim cheguei a fazer um samba com o mestre Moraes! “Escola de samba Brasil”

F.S Você faz questão de mostrar ao público seus parceiros mogianos . E está na maioria das produções dos músicos de Mogi das Cruzes . Qual panorama você faz da música Mogiana?

Eu tenho muitos parceiros em Mogi e tive a chance de compartilhar meu desenvolvimento musical com meus amigos e parceiros, compondo com eles, fazendo arranjos pra eles, gravando e me apresentando com eles, isso desde os anos 90 até os dias de hoje. Eu considero Mogi um celeiro musical impressionante! São muitos compositores e interpretes da mais alta qualidade. O fato de Mogi ser uma cidade universitária acabou criando uma tradição de bares de MPB e essa tradição acabou trazendo gerações de músicos que traziam e trazem a essência da verdadeira MPB. Eu fui um desses herdeiros e tenho muito orgulho disso, além de ser um músico que sempre tive livre acesso tanto na MPB, quanto no samba, no choro e na parte educacional também, então me sinto um privilegiado por poder dividir o dom que Deus me deu com tantos parceiros. Entre meus principais parceiros mogianos estão: Pedrão, Rabicho, Henrique Abib, Meyson, Seu Eurico, Aline Chiaradia, Rui Ponciano. Waldir Vera, Mateus Sartori, Gui Cardoso, Ulisses Garcia, Serginho Machado, Ricardo Vergueiro, Juá de Casa Forte, Yrapoan Jr, entre outros

F.S - E sua ligação com o Choro como começou? 

Minha ligação com o choro começou nos anos 90 quando conheci a Barbearia do Seu Julinho e passei a ser frequentador assíduo! Na época eu estava no começo dos meus estudos de violoncelo e eu lembro de levar o instrumento lá e seu Julinho fazendo cara feia...(risos) mas aos poucos fui ganhando confiança da velha guarda fazendo solos como Carinhoso, Brejeiro e Pedacinhos do céu no violoncelo. Mas na maioria das vezes eu ia sem instrumento, ia só pra apreciar os “Seresteiros mogianos” (esse era o nome que seu Julinho dava ao grupo) tocar. 

Faziam parte desse grupo: Seu Julinho (violão), Seu Eurico (Cavaquinho), Seu Nilton (Violão/Cavaquinho/Bandolim); Seu Braga (Violão 7 cordas), Seu Chiquinho ( Violão tenor), Professor Hugo Ramos (Bandolim); Seu Geraldo (Violão 7 cordas) e muitos outros músicos incríveis que apareciam tocando seus instrumentos de corda, sopros e percussão.

As rodas de choro aconteciam às quintas das 16h às 18:30h/19h mas meu aprendizado acontecia também em outros horários em que eu passava pela barbearia e me sentava pra conversar com seu Julinho. Geralmente eu passava por lá e se Seu Julinho estivesse sem clientes ele dizia: “-PH pega o cavaquinho pra me acompanhar!” Assim ele me passava uns acordes básicos e eu o acompanhava em solos de violão. Muitas vezes também acompanhava-o com o violão e assim fui pegando intimidade com o Choro. Nessa época também adquiri um bandolim e comecei a estudar uns solos e acabei transcrevendo a obra do Seu Nilton que era um grande compositor! Gravei ele tocando seus choros, acompanhado pelo Dudu Mendonça no violão 7 cordas e Seu Eurico no cavaquinho em fita cassete, e transcrevi pra partitura uns 15 choros dele, num dia levei meu bandolim na barbearia, abri meu caderno e falei “-Sol maior” e comecei a solar os choros do Seu Nilton de surpresa... Você precisava ver a cara do Seu Nilton “-Que choros bonitos!” seu Eurico às gargalhadas dizia: “-Esses choros são do senhor Seu Nilton!” Todos caímos na risada!!! E eram assim as tardes de choro na barbearia, muita alegria, amizade e música. Esse repertório do Seu Nilton depois se transformou em um CD por intermédio do Mateus Sartori que, quando fundou o estúdio EMAM, fez questão de que fosse um dos primeiros CDs a serem gravados: “O bandolim de Nilton Delphim”. Seu Nilton faleceu em 2008 e gravamos esse CD em 2015, eu solando no bandolim, Dudu Mendonça no 7 cordas, Seu Eurico no cavaquinho e Yrapoan Jr no pandeiro, está no You tube e em todas plataformas digitais.

O repertório era geralmente instrumental mas quando faltavam 30 minutos pra terminar a roda, seu Julinho deixava alguém cantar alguma música e nessa hora chegava o Gunai todo vestido de branco e desfiava seu lindo repertório. Bons tempos!

Minha relação com seu Eurico começa na infância pois eu morava na mesma rua que ele na Vila Industrial, na rua do aço, no mesmo quarteirão, então eu sempre o via tocando cavaquinho ou violão na frente da casa dele e nunca imaginei que me tornaria músico e passaria a tocar com ele no futuro. Quando eu tinha 12 anos eu ouvi uma música do Beto Guedes chamada “Bandolim” (esse música me emociona muito até hoje!) Eu lembro de falar pro Seu Eurico “-Seu Eurico, eu quero aprender bandolim, é muito difícil?” Ele fez uma careta... “- Ih Paulo Henrique, bandolim é bem difícil...você precisa começar pelo violão, cavaquinho pra depois tentar o bandolim...é instrumento solista!” . Anos depois eu ganhei meu primeiro violão e mal sabia que o bandolim seria um dos meus principais instrumentos hoje.

Em 2012 o Boteco Coronel precisava de um grupo para tocar choros aos sábados numa feijoada e o Dudu Mendonça não podia fazer então me indicou e eu comecei a tocar com seu Eurico e com o Tico do pandeiro, tocamos até 2014 quando o Tico teve que sair então Dudu Mendonça entrou no trio e ficou até seu falecimento em 2016, quando entrou Jorge Bré e mantivemos esse choro até março de 2020 quando paramos devido a pandemia. Então foram oito anos tocando semanalmente com Mestre Eurico, praticando e aprendendo a arte do choro.

F.S- E a Orquestra de Choro?

A Orquestra de Choro é uma longa história tentarei resumir: De 2007 a 2010 toquei violoncelo em uma orquestra de tango em São Paulo chamada “De puro guapos” e tive a chance de me apresentar em muitas cidades pelo Brasil e fomos uma vez pra Buenos Aires tocar com os mestres do tango de lá. Em 2010 passamos 20 dias nos apresentando e conhecendo os pontos musicais de Buenos Aires e conhecemos a “Orquesta Escuela de Tango” que era uma escola que ensinava o tango pras novas gerações e eu achei aquilo incrível e pensei em criar algo parecido: uma escola de choro em Mogi. Quando voltei da Argentina, cheio de sonhos, encontrei um edital para Pontos de Cultura em Mogi e o secretário de cultura na época, Zé Luiz me incentivou com a minha ideia. Enfim, fiz o projeto e fui contemplado como Ponto de Cultura onde homenageei Seu Eurico “Escola de Choro Souza Eurico”. Nessa escola tivemos a chance de ensinar gratuitamente quase 1000 pessoas em cursos de violão, cavaquinho, bandolim, flauta, clarinete e percussão. Os cursos tinham teoria musical e prática de conjunto e esse ponto de cultura durou de 2011 a 2013 quando acabou a verba federal e tivemos que encerrar as atividades. Nessa fase eu criei a “Orquestra de Choro Souza Eurico” que era o grupo com os alunos mais avançados e que durou mais uns anos depois que a Escola de Choro acabou. Fazíamos apresentações e chegamos a gravar um CD em 2015 e nesse grupo contávamos com o próprio Mestre Eurico tocando com a gente. Era incrível! Porém o grupo também acabou e hoje ficam muitas lembranças boas na memória da gente.

F.S Quantos CDs você já lançou? Quais estão nas plataformas digitais?

Tenho 5 CDs autorais :Baião Mineiro (2003); Lavando a alma – com o parceiro Paulinho Pedra Azul (2008) ;Noite brasileira (2013) ; Canto a meu povo – com o parceiro Pedrão (2016); Caipirerê (2017)

Fora esses autorais,eu tenho dois CDs como intérprete de Choros: O bandolim de Nilton Delphim (2016); Seu Eurico, 80 anos do mestre do Choro mogiano (2019)

E muitos CDs que eu atuei como produtor, arranjador e diretor musical, entre eles: ORQUESTRA DE CHORO SOUZA EURICO (2016); CANARINHOS CANTAM COMPOSITORES MOGIANOS (Canarinhos do Itapety – 2012);  SAMBA DE BOTEQUIM Vol.2 (Pedrão – 2012);ESTREITOS NÓS (ALINE CHIARADIA -2016); UM CANCIONEIRO DEGUSTADOR DE PALAVRAS (SERGINHO MACHADO – 2018); SETE PAUS (ROQUE MARTINS – 2018) ; EDUARDO MEDEIROS (2019) 

Eu acho que todos esses CDs estão no You tube e nas principais  plataformas digitais.

F. S- Caipirerê traz a proposta de misturar o clássico com o moderno. Quem é o Caipirerê?

Caipirerê eu considero meu maior trabalho, pois conta uma história dentro de um ambiente que mostra um Brasil ao mesmo tempo medieval e moderno. Eu escolhi a concepção e escrevi os arranjos de forma orquestral e procurei misturar os instrumentos sinfônicos com a sanfona e viola caipira, além dos vocais femininos e infantis que deram uma cara meio curumim aos temas. Foi um trabalho que marcou minha entrada nos 40 anos e considero um passo de maturidade na minha carreira, pois minha intenção foi homenagear Tom Jobim, Villa Lobos e todos os grandes compositores que me influenciaram nesse estilo musical: Elomar, Tavinho Moura, Dory Caymmi, Edu Lobo, Guinga, etc...

O Caipirerê como personagem, é o retrato desse brasileiro que procura beber nas fontes mais ricas de nossa arte, que procura cultivar os valores que louvem o passado com os olhos e os pés no futuro, que ama a solidariedade e a amizade, que ama o Brasil de Villa Lobos e que adora viajar pelas estradas e apreciar as belezas naturais e culturais dessa terra tão linda! Então é como se o Caipirerê fosse esse caipira meio erê, que leva a criança dentro de si, meio Saci Pererê que tem que se virar pra seguir trabalhando muitas vezes pulando numa perna só, mas que tem sempre muito humor pra encarar as adversidades. O Caipirerê, na verdade, é um personagem autobiográfico, é como um autorretrato meu.

O próprio nome Caipirerê veio da minha cabeça e depois fui procurar no Google e vi que não existia...rs. Foi interessante pois eu musiquei uns versos do grande compositor Juca Filho de quem sempre fui fã e pra minha surpresa ele gostou e fizemos a parceria! Juca filho é o autor de clássicos como “Toada”, “Quem tem a viola” e outras pérolas cantadas pelo grupo Boca Livre. Na postagem do Juca no Facebook, meu outro mestre e parceiro Murilo Antunes tinha comentado com outros versos que eu logo juntei e fiz essa parceria tríplice, porém faltava uma terceira estrofe que eu fiz a melodia e mandei pros dois fazerem a letra mas nenhum dos dois fez e acabou que um dia a letra veio pra mim... e nessa letra tinha o verso:”-Eu sou Caipirerê!” e assim fechei a canção que resumiu toda história e deu nome ao meu álbum.

F.S- Qual a importância do ensino de música para as crianças?

Eu acho que a música é capaz de moldar sentimentos e através da consciência de valores e da manifestação de elevadas vibrações de sensibilidade, moldar o caráter e a estrutura emocional, psicológica e social de todos nós. Pras crianças eu acredito ser fundamental essa estrutura se enraizar desde cedo e por isso a música é tão importante nessa fase. Ampliar a sensibilidade,  desenvolver o raciocínio sensorial e crítico, trabalhar a coordenação motora, concentração, percepção, além de aprimorar o gosto pessoal e acrescentar  consciência de seu tempo e espaço. A música ajuda a criança a encontrar modos de se situar no mundo de uma forma mais segura, justa e consciente, e também apresenta pra ela toda a beleza e a riqueza criada através da arte pelo ser humano. Na música e em sua linguagem encontramos ferramentas fundamentais para a educação de todos nós.

F.S-Como começou o Projeto Criando Canções?

Eu sou professor de Música e Arte em alguns colégios particulares da rede de ensino de Mogi e o projeto  Criando Canções surgiu das atividades que eu faço com meus alunos de Fund 2 e Ensino Médio, onde eu desenvolvo a prática de criar canções com eles. Os resultados são incríveis e eu pensei que, se com meus alunos que na maior parte das vezes não querem compor canções eu criava canções bem legais, imagina se eu criasse  um curso pra quem quisesse compor? Assim surgiu a primeira edição em agosto do ano passado e os resultados foram surpreendentes! Então percebi que o projeto poderia auxiliar mais e mais pessoas interessadas em compor canções populares e agora estamos no período de inscrições da 2ªedição do curso, agora com apoio do edital de projetos culturais da Lei de emergência cultural Aldir Blanc em parceria com a secretaria de cultura de Mogi das Cruzes. Os 20 primeiros inscritos terão a bolsa integral do curso e os demais inscritos poderão fazer o curso mediante pagamento de 200 reais a mensalidade.

F.S- Qual a importância de se ter uma política de Amparo à Cultura?

Eu acho importantíssimo o amparo a cultura de uma cidade e de um país, pois acredito que a realidade se apresenta em vários níveis pra nós e não só existe no nível material que nossos olhos veem. Inclusive penso que as coisas mais importantes acontecem em níveis que nossos olhos não veem, porém habitam em nós de formas mais sutis e é nesse nível que atuação que entra a arte e a cultura, alimentando nossa alma e nos transformando da melhor maneira possível. Por isso qualquer politica de amparo a arte e à cultura é fundamental, pois transforma o indivíduo em suas raízes mais profundas.


Comentários

  1. Matéria densa, conteúdos relevantes, onde perguntas e respostas formaram um todo coloquial e agradável. A galeria de peerceiros do PH atestam seu valor como artista devotado ao que faz. Parabéns!

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  2. Olá Gabi!
    Obrigada pelos comentários tão carinhosos. Esta entrevista com o PH foi para mim um grande presente: ele tem tantas histórias e é um músico tão competente que é um prazer mostra-lo para o publico em geral!
    Grande beijo, obrigada por ler o Blog!!!!

    ResponderExcluir

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