Na cultura hindu um yantra é um tipo de inteligência manifestada no universo que nos conecta com a nossa essência. Uma mandala é um tipo de yantra, um desenho com diferentes nuances no qual o som determina a forma e sua função é nos ajudar na conexão com o nosso verdadeiro eu.
Para o psiquiatra suíço Carl Jung o símbolo tem relação com a psiquê humana - uma mandala indica nossos três níveis de consciência: o centro seria a representação de nosso verdadeiro eu.
E essa conexão com o que verdadeiramente somos é a proposta da música "Cascas Artificiais", lançada pelo power trio brasiliense de Blues, Jazz e Folk Mandalla's Band na última sexta-feira em todos os streamings.
Para compor a Mandalla's Band a compositora e musicista Thaise Mandalla conta desde 2017 com o músico André Lourenço, que traz no som de seu envolvente contrabaixo referências como os baixistas Chris Squire (Yes), Geddy Lee (Rush) e Jaco Pastorius.
O ritmo é determinado pelo experiente baterista e produtor musical Marco Guedes que já trabalhou com grandes nomes da Música Popular Brasileira e que no fim dos anos 80 era integrante da bem-humorada banda de rock brasiliense Vagabundo Sagrado.
Meu primeiro contato com a voz de Thaise foi ao ouvir "I'm like Death". Fã de Soul Music que sou fiquei encantada: a cantora trazia no timbre algo muito parecido com as divas da Motown Records. Depois quando a ouvi em outra canção fiquei intrigada. Em "I Arrived" a cantora me transportou para um universo totalmente diferente, o de uma voz que parecia ter vindo lá do estado americano do Alabama. Como a definir?
Thaise Mandalla é assim : várias vozes em uma mulher .
Além de compositora, vocalista da Mandalla's Band toca com maestria a cigar box, é baterista da Nuggetz (banda de dub-ska-jazz), professora de música, mãe, faz vídeos tocando diferentes estilos musicais e hoje é a entrevistada do Falando em Sol.
Ela chegou.
Com vocês Thaise Mandalla!
(Tatiana Valente)
FS - Você nasceu em Bebedouro e foi criada numa cidade do interior de Minas. O que você ouvia na infância?
Com meus pais, dentro de casa, ouvíamos em vinil e fita cassete muita MPB (Caetano, Gil, Fagner, Marisa Monte entre muitos outros), rock clássico nacional e internacional (de Titãs a Pink Floyd), alguma coisa de Axé como Luis Caldas e Daniela Mercury. No contexto da cidade o que chegava era música sertaneja como Chitãozinho e Xororó, Leandro e Leonardo, Zezé Di Camargo e Luciano. E então a música sertaneja exerceu alguma influência sobre minha criação musical.
FS-Ainda pequena teve aulas de musicalização. Qual a importância destas aulas para a formação da criança?
Extrema importância! Não à toa me profissionalizei também como professora de música infantil (risos). Ter contato com instrumentos variados, entender sobre divisão rítmica, me alfabetizar musicalmente desde tenta idade me conferiu um olhar mais atento à Música e inclusive me ajudou em Matemática anos depois na escola, já que a música teórica que conhecemos hoje foi desenvolvida por Pitágoras e, portanto, é extremamente matemática.
FS- Na adolescência você teve a experiência de participar de um coral. Qual era seu timbre? Quais lições tirou desta experiência?
Participei de coral ainda criança, quando fazia parte da ala das Sopranos. Quando adolescente, segunda vez que participei de coral, já na EMB, pertencia a ala das Contraltos. Cantar em grupo é extremamente enriquecedor para a experiência musical uma vez que se exercitam técnicas vocais, afinação, desenvoltura em cantar simultaneamente melodias diferentes.
F.S- Qual o primeiro instrumento que aprendeu a tocar? E a percussão, como foi?
Flauta doce e instrumentos percussivos foram os primeiros que aprendi, faziam parte da musicalização infantil. O primeiro instrumento que escolhi aprender foi violão e, logo em seguida, migrei para o piano. Fui aprender bateria bem mais tarde, aos 18, com amigos e por meio de vídeos na internet. Sou autodidata neste instrumento.
F.S Você compõe, canta e é uma multi-instrumentista. Qual a importância desta sua formação para promover um trabalho integrado com a banda?
Facilita muito a comunicação entre os músicos quando a cantora também entende dos instrumentos em questão, sobretudo no processo de arranjo em conjunto. Consigo comunicar o que quero para cada música e entender o que os integrantes estão trazendo como proposta.
F.S- O Teatro também faz parte da sua formação artística. Essa noção cênica faz a diferença no palco?
Teatro e música estão muito relacionadas, não à toa elas vieram fundindo-se na contemporaneidade. Cada vez mais peças de teatro são feitas com música ao vivo e, para os músicos, entender de performance teatral contribui para o envolvimento do público. Compreender as vertentes do Teatro como iluminação, cenário, figurino, enriquecem a linguagem do músico quando monta um espetáculo. Acredito ser um grande diferencial.
F.S-Como você define o estilo da Mandalla's band? Qual o repertório?
Estamos caminhando de Blues, Jazz e Folk para o que Milton Guedes, produtor musical de nosso último lançamento, chamou de Bluesy e Jazzy. O repertório de releituras era extenso e incluía divas e mestres do Blues e do Jazz assim como canções de rock/country americano e brasileiros. Atualmente estamos trabalhando apenas com nossas músicas autorais.
F.S -"I ' m like Death " e "I arrived" são composições suas. Como funciona o processo de criação? Quais suas inspirações?
Tenho alguns processos de composição. Tem as músicas que surgem espontaneamente, ao tocar um violão na varanda despretensiosamente, e tem as que eu me demando compor. As duas mencionadas eu decidi que iria compor, por querer aumentar meu repertório autoral nos respectivos estilos (jazz e country) e aí sentei na cadeira e transpirei com meu instrumento.
F.S- O videoclipe de "I arrived" foi gravado na Chapada dos Veadeiros. Como foi a experiência?
Foi tudo muito rápido e não tão planejado assim. Não sabíamos ao certo quais locações, decidimos isso durante o fim de semana que tiramos para gravar. Tivemos muitas inspirações durante o processo mas algumas coisas já estavam definidas como figurino, instrumentos que seriam usados nas cenas. O fato é que estar com uma equipe preparada e com afinidade faz muita diferença e fez todo o processo ser leve e divertido.
F.S- Os figurinos da banda são inspirados em que década? Tem alguma banda como referência?
A banda foi montada para contemplar os estilos Blues e Jazz, a princípio, então resgatamos o imaginário desses estilos dos EUA das suas décadas de ouro, dos anos 1920 até 1960, aproximadamente. As divas do blues (como Aretha, Etta, Sugar Pie Desanto e etc) e os músicos que as acompanhavam estão entre essas referências.
F.S- Há alguns meses uma cantora de Governador Valadares declarou que ama tocar blues, mas os bares pedem que toque pop/rock ou MPB. Você acredita que o público do blues é seleto?
Sim, é um estilo com público e contratantes seletos. Por ser um estilo importado (surgido nos EUA), o Brasil não tem tradição nesse segmento, além do fato de ele ter ganhado um status elitizado, não popular, mesmo tendo surgido no contexto da escravização.
F.S- Além da Mandalla's Band você é baterista da Nuggettzz (que tem um estilo totalmente diferente). Já enfrentou algum tipo de preconceito no meio musical por ser mulher?
Sim, vários. Dos mais explícitos aos mais sutis, "involuntários". Sempre paira no ar a dúvida de se a mulher será mesmo capaz de tocar aquele instrumento, de conduzir sua carreira. Como instrumentista, na bateria sinto isso mais fortemente. Quando chego em um festival com meu case de pratos já sinto na equipe técnica aquele olhar de tensão pensando: "ela que vai tocar a bateria??". O que faço é ignorar isso tudo e fazer meu trabalho. Se eles repensarem suas posturas, ótimo, se não, sigo meu caminho. Não me deixo abalar.
F.S- Durante a pandemia casas noturnas e bares foram fechados. Quais desafios enfrentou nesse período?
Desde 2019 venho mantendo um trabalho fixo como professora de música pela SEDF paralelo à carreira de musicista, o que tem me conferido mais estabilidade financeira até mesmo para financiar os projetos da banda. Marquinho e André também tem trabalhos paralelos, como produtor do Clube do Choro de Brasília e como tradutor de games, respectivamente, o que nos permitiu a tranquilidade de não necessitarmos dos shows para subsistir. Os desafios foram parar as produções que vínhamos planejando, ou melhor, adiá-las, porque retomamos esses projetos e em 2021 virá muito material novo!
F.S- Como é conciliar a maternidade e a carreira de musicista?
Sou musicista desde meus 18 anos e minha carreira passou por muita instabilidade. O momento em que engravidei, eu e o pai da Saara, minha filha, estávamos nos preparando para uma turnê independente pela Europa com nosso disco recém gravado. A chegada dela fez os planos mudarem e a carreira dar uma pausa. Nos debruçamos na vida familiar, em criarmos ela com muita presença. Mantivemos alguns shows e até mesmo algumas viagens (nas quais levávamos ela, Saara chegou a dormir nos backstages ainda bebê) mas assim que ela cresceu alguns anos, senti o chamado de voltar aos palcos com força total. Voltar a focar em minha carreira. A princípio achei que seria difícil por ter uma filha mas logo me adaptei e, contando com a ajuda de familiares e amigos, incluí ela em tudo e hoje ela já quase trabalha comigo. Ajuda a pensar em figurino, faz propostas de artes gráficas para os trabalhos da Mandalla's Band, opina sobre arranjos, vídeos.. sinto que em breve ela será uma membra remunerada da banda. Risos
F.S - Em suas redes sociais você publica vídeos tocando estilos diversos ( de blues, rock à Djavan e Belchior). Como a Thaise Mandalla se define?
Somos frutos de tudo que vivemos. Mesmo ainda jovem (32 anos), já vivi bastante coisa pelas muitas mudanças de cidade, maternidade, vida andarilha morando em "motorhome". E de tudo eu carrego um pouco comigo. Na música eu sou vítima do que me arrebata. Se escuto uma canção e ela conversa com meus sentidos, com meu coração, abraço a causa, sem me prender a estilos e rótulos. Quem gosta de colocar em caixas e definir limites para a Música é o mercado, pra facilitar o processo de comercialização. Eu acabo ficando um pouco a parte dessas divisões e canto/toco o que tenho vontade. Financio minha arte também para garantir essa liberdade.
F.S- Para quem está começando a cantar, qual conselho você daria?
Essa é a pergunta mais frequente que escuto e, com o tempo, desenvolvi uma resposta simples mas que carrega muitos aprendizados que tive sobre cantar. O que digo é: cante como você canta e não tente imitar quem você gosta de ouvir cantar. Influências são sempre bem vindas e referências são importantíssimas mas na hora de cantar, o segredo é se comunicar com sua verdade, com seu aparelho fonador que, como todo instrumento, possui milhões de possibilidades e algumas limitações. Se eu for querer cantar como Janis Joplin vou falhar miseravelmente e ainda escangalhar meu aparelho fonador. O lance é descobrir sua região de conforto, seus potenciais e limitações e fazer o melhor uso de tudo isso.
F.S - Quais os projetos para este ano ?
Este ano estamos implementando tudo o que planejamos para ano passado porém com alguns "redesenhos".
Dia 23 lançamos Cascas Artificiais, com produção musical de Milton Guedes. Em Maio, o videoclipe desta canção. Mais pra frente (ainda este ano) vamos lançar também um EP chamado DESPLUGADO MB AO VIVO com duas canções inéditas, duas autorais já gravadas e duas releituras. Esse EP contará com vídeos de nossa execução que serão divulgados no YouTube.
Além disso recebemos proposta de gravar outro ao vivo em estúdio, um projeto novo da cidade, onde pretendemos gravar mais canções inéditas com a cigar box. Ou seja, material não vai faltar! Como dizem os Youtubers: curtam, compartilhem, comentem e ativem o sininho! (Risos)
Encantada com o belo trabalho e talento. É justamente tudo o que precisamos nesses tempos: pessoas comprometidas com sua essência, em especial na arte que tem papel fundamental de ajudar a atravessar esses tempos difíceis ...
ResponderExcluirÉ isso mesmo . Em tempos como os de hoje a arte nos ajuda a manter a mente sã!
ExcluirBeijão 🥰