Fui uma criança muito feliz.
Vivia numa cidade próxima a capital ( de Mogi até São Paulo demora apenas 40 minutos) e próxima ao mar (Bertioga ou "Bertiágua "como brincamos é logo ali). Só sentia falta de uma coisa: da casa de minha avó.
Passava o ano esperando as férias de janeiro que eram mais longas que as de julho para poder ir para Cruzeiro, mais precisamente para a Barra do Embaú onde minha avó materna , tios e primos viviam num sítio com pomar, plantação de tomates, parreira, goiabeira, mangueira um belo jardim cheio de flores ( xodó da vó) e o Rio Passa Vinte, logo ali no quintal. Entrávamos no carro no maior desespero e a trilha sonora tinha os irmãos Pena Branca e Xavantinho que cantavam a vida na roça com muita poesia - prometo mostrar aqui vídeos encantadores da dupla.
Brincávamos da hora de acordar até a hora de dormir e como sempre estávamos descalços sentávamos na beira da varanda para passar limão no pé e tirar o limo do mato. Eu, muito magra vivia me desequilibrando e tinha as pernas machucadas cheias de mertiolate e terra.
Minha avó era uma ternura só. Nos recomendava para ter cuidado com cobras e aranhas, e não entrarmos no rio sem os adultos. Éramos obedientes, o máximo que fazíamos era caçar girino numa água represada.
No início dos anos 90 aconteceu uma tromba d´água e na enchente tudo quando foi tipo de lixo desceu. A água aparentemente já estava limpa então meu tio nos levou para nadar e recomendou que não mergulhássemos ou tapássemos os ouvidos para que a a água não entrasse.
Eu amava nadar no rio. Ficava boiando e deixava a correnteza me levar, ou mergulhava e abria os olhos. Com minhas primas e irmãs brincava de "sereias da água doce".
Me esqueci das recomendações e fui ser sereia. Um dos roteiros daquele ano era ir pra Taubaté e passar uma semana na casa dos meus tios. Lá comecei a sentir pontadas no ouvido direito. A dor foi aumentando e me deu febre e calafrios. Eles me levaram a um otorrinolaringologista que foi claro: "ela está com uma infecção grave. O tímpano perfurou".
Meus pais foram me buscar e os médicos de Mogi das Cruzes foram unânimes: ela vai perder a audição. Só cirurgia e mesmo assim nada seria garantido.
Além da dor, sangue e pus saiam do meu ouvido direito. Vendo o desespero dos meus pais o Sr Walter, gerente da rádio onde ele trabalhava fez uma promessa a São Cosme e Damião: se meu ouvido fosse curado eu levaria doces para uma comunidade carente na cidade. Minha mãe já estava em oração, ela de orientação evangélica não rejeitou a fé do amigo.
Fomos a um outro otorrino desta vez em São Paulo, num prédio lindo na Avenida Angélica. Fiz uma lavagem ( me lembro direitinho do que senti até hoje) e de fato o tímpano estava perfurado. O médico falou: " Deus vai por as mãos e você vai se curar. Venham em dias alternados e pingue este remédio"- soubemos depois que ele era espírita kardecista.
Em 15 dias o tímpano estava restaurado e a infecção havia desaparecido . Fiz inúmeras audiometrias e minha audição é perfeita ( escuto até o que não devo rs).
Naquele ano no Dia de Cosme e Damião fui com Sr Walter e minha irmã em uma comunidade de Mogi distribuir os saquinhos que preparei com muito carinho. Se neles tinham algum feitiço?
Não. Tinha muita fé. A mesma fé que uniu crenças diferentes e me curou.
E é por isso que minha Quinta da Saudade traz "Engenho de Flores" uma composição de Josias Sobrinho com Pena Branca e Xavantinho.
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