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Lulu e Eu (Parte 3)



Com o flyer da La Boom na mão fui para casa em estado de graça. Lulu iria para Mogi das Cruzes, e eu tinha como obrigação estar lá. Naquele ano lançou o álbum "Eu e Memê, Memê e eu" e a turnê era animadíssima.

O CD  tinha uma capa linda com ursos de pelúcia e as músicas ganharam um remix super dançante, e eu amava passar o tempo ouvindo e dançando. Como não estar no show e ver tudo acontecer ao vivo?

Primeiro passo: convencer meus pais. 

Segundo: arrumar uma companhia, afinal era uma menina de 14 anos e não podia ir sozinha ao show. Consegui convencer uma amiga que morava na rua detrás de casa. Outro passo importantíssimo: tirar meu RG. Fui, e decorei o número, não ficaria pronto e teria de levar apenas o protocolo.

No dia do espetáculo me arrumei e ouvi todas as recomendações de meus pais. Não aceitar nada de ninguém, ficar longe de brigas, não falar com estranhos. E assim que acabasse ligar (de um orelhão pois celular não existia) para meu pai nos buscar. 

Sempre fui alta e minha amiga era muito mais baixa que eu. Tanto que na escola onde estudávamos ganhava apelidos maldosos quanto sua estatura. Eu a defendia, nunca deixei ninguém a maltratar.  E ela -a quem apelidei de fiel escudeira- sabia de meu amor por Luiz Maurício, estava lá do meu lado.

Ficamos bem longe do palco, tinha muita gente. Não demorou para que "Sibéria", um instrumental começasse a tocar. Logo em seguida o " Rap do Lu", anunciou "Toda Forma de Amor". Quando Lulu surgiu me deu um frio na barriga imenso. 

Ele existia, de verdade. E como era solar. Tinha o cabelo descolorido, usava uma calça preta, uma blusa transparente, um colar prata e sua guitarra, que já tinha me seduzido.

Passei parte do show tentando não ser levada pela plateia ensandecida e desviando das gotas que caiam da lona. A casa noturna que ficava no Mogi Shopping era como um circo. 

 Em alguns momentos segurava minha amiga para que não fosse pisoteada. Mas eu estava lá, vendo a banda formada por Sacha Amback, Dunga, Marcelo Costa, Ramiro Mussotto, Alex de Souza e Milton Guedes. Foi como um sonho e voltei para casa me prometendo que no show seguinte ficaria ali, grudada no palco...


                                                           Dois anos depois...




Minha camiseta que me acompanha desde 1996.
Selfie tirada há exatos 2 anos na pandemia no dia da Lulu Live.

Dois anos depois Lulu voltaria para Mogi. Foi logo no começo do ano, se não me falha a memória num fevereiro. Ia completar 16 anos e tirar meu tão sonhado título de eleitor- era uma forma de fazer valer meus direitos e existir na sociedade.
Minhas primas tinham me dado de presente a camiseta do meu CD xodó "Assim Caminha a Humanidade" e as deixei doidas porque queria a que tinha a patinha da turnê "Eu e Memê.".
Naquele ano Lulu estava na estrada com os shows do álbum "Anticiclone Tropical", que tinha como hits " Aviso aos Navegantes";" Cadê Você"; " Assaltaram a Gramática II" e uma releitura de "Dancing Days" (música do parceiro e meu xodó Nelson Motta). Esse CD está entre os meus favoritos- foi como disse para os "Lulunáticos" esta semana- é como escolher o filho favorito: impossível. 
Minhas colegas do colégio não iriam ao show. Eu era fã, não perdia um programa de tevê, colecionava revistas e recortes de jornais. Meu caderno era encapado de preto com fotos do Lulu. Os meninos riam e diziam ele é gay. E eu respondia: "prefiro um gay do que um preconceituoso", e os mandava para aquele lugar. Eu precisava estar naquele show.
" Eu vou mesmo assim", disse num rompante pois não era uma adolescente rebelde.
Meu pai, vendo minha decisão tomada e preocupado por ir sozinha decidiu me fazer companhia sob uma promessa: no dia seguinte ir ao colégio (o show era numa quinta). Não pensei duas vezes.
Me arrumei com meu batom vermelho/ terra (moda do fim dos anos 90), meu lápis preto, a camiseta com as caveiras mexicanas e fui com meus cabelos cacheados e rebeldes para a La Boom. Chegando lá fui grudar na grade, meu pai foi se sentar com os colegas que encontrou. Fiquei de frente para o baixista e vi todos da banda de pertinho. Lulu tinha desta vez o mesmo auxílio luxuoso de 1995, o baterista não era Marcelo e sim Jongui. Vi Milton surgir no palco de skate, e já descia cantando. Era um choque a sinergia que tinham no palco. Lulu, mesmo sendo o rei do pop, tem uma generosidade imensa: dá destaque para seus músicos e a unidade é oque garante a beleza do espetáculo.
Eu estava ali, me agarrando na grade e achando estar num sonho. Foi quando ele se sentou no palco para cantar "Minha Vida". Tinha um moço numa cadeira de rodas na minha frente.  Eu estava de frente para o Luiz Maurício. Não sei o que me aconteceu. Fiquei estática. Ele estava ali. De verdade.
Quando o show acabou ouvi o DJ anunciar que Shakira estaria na cidade na semana seguinte.  Nem pensei em pedir para tentar entrar no camarim. Estava em estado de graça. No dia seguinte fui para a aula com o ouvido tapado, mas feliz. Muito feliz.
Tinha a certeza que ainda iria em muitos shows do Lulu quando voltasse para Mogi.
Mas ele não voltou. Anos mais tarde em 2005 teve um anúncio de que voltaria. Um conhecido que tem um programa na TV local queria fazer uma matéria comigo e promover esse encontro.  Mas o evento que seria no dia 19 de setembro foi desmarcado, segundo fontes pelas condições do ginásio que não comportavam todo o "rider técnico" do Lulu. 
Ele esteve em São Paulo várias vezes. Mas nunca achava companhia para o show. E a menina destemida e Valente aos poucos foi sendo aprisionada por um sentimento absurdo de medo e incapacidade .
 E o medo a paralisou de viver  muitas coisas...





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