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Quinta da Saudade :" nem vá dormir como pedra e esquecer o que foi feito de nós..."



União - A voz do povo e a voz de Deus numa única canção
Foto: Reprodução Instagram Blog do Clube da Esquina 


 " Apaga a luz do estúdio porque hoje eu vou cantar pra caralho", disse Elis Regina ao gravar "O que foi feito devera (De Vera)" lançada no ano de 1978 no álbum Clube da Esquina 2 . Essa história e a foto publicada acima estão no Instagram do Blog Clube da Esquina que traz textos e fotos maravilhosas para quem como eu é fã dessa turma.

Mas o fato de  Elis cantar pra "caralho" não deveria ser novidade. Para mim é.

 Pois explica numa frase o motivo pelo qual essa canção me arrepia. É como se ela desatasse o nó preso na garganta dos brasileiros daquela época. E como num ritual de libertação os tambores dessem ritmo aos vocais dela e de Bituca num desabafo coletivo.

Para poder entender todo o contexto precisamos recordar o que era feito da terra de Vera Cruz nos anos que antecederam 1978...

O presidente era Ernesto Geisel, o povo vinha calejado de anos de ditadura militar: torturas, mortes, presos políticos, censura. O AI 5 ainda vigorava - com suas decisões arbitrárias dava carta branca para que se fosse feito o que quisesse com quem ousasse  desafiar ou questionar os militares.

 Toda expressão artística era  monitorada pelos censores : a arte que é a voz do povo era calada na base da  força. Um incêndio destruiu em julho de 1978 o acervo do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Um povo sem registro de sua cultura é um povo sem história. Um povo sem história é um povo sem memória, facilmente manipulado.

Em outubro daquele ano um colégio eleitoral elegeu como presidente o general João Batista Figueiredo. Era uma eleição indireta: candidatos eram escolhidos dentro das "Forças Armadas" e eleitos por um colégio que já era formado por membros que automaticamente reverenciavam as escolhas dos militares.

Democracia era estrada de mão única. Ao povo cabia aguardar o que seria feito devera. Daí hoje, vivendo novamente num contexto de instabilidade e depois de 4 anos revisitando um passado que já deveria ter servido de lição para o povo brasileiro entendo o porquê de Elis e Milton terem cantado com tanta força os versos compostos por ele, Marcio Borges e Fernando Brant.

Essa semana tem sido para mim de muita reflexão, tendo como base dados reais do que aconteceu no país nesses últimos anos . 

Me questiono como na canção o que foi feito de Vera?

Crise econômica, desmatamento sem pudor, povos originários sendo exterminados.

O que foi feito de tudo que a gente sonhou? 

Da liberdade de expressão, a igualdade de raças, de direitos, de educação e vida digna para todos. TODOS sem distinção.

O que foi feito da vida?

 Mais de 680 mil mortes. Trinta e três milhões de brasileiros afetados pela fome.

O que foi feito do amor ?

Registro de  47,5 mil mortes violentas intencionais no Brasil no ano passado.

E a fé? 

Não era cega...

 Felizmente outros outubros virão. Domingo decidiremos um novo líder para nossa nação. Para que possamos criar um futuro digno  não podemos "dormir como pedras nem esquecer o que foi feito de nós" nestes últimos 4 anos. Que venham manhãs "plenas de sol e de luz". 

Minha quinta da saudade vai dividir com vocês essa belíssima canção, lançada no álbum Clube da Esquina 2. Ah Elis...como você faz falta pra cantar essa música hoje, aqui, com sua força. 






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