Cenas do especial exibido pela Rede Globo em 1981, vencedora do Emmy Internacional na Categoria Arte Popular
Foto: Acervo/ Globo
Elba no papel da carpideira que Severino encontra em sua busca por emprego
Eu, aos 14 anos numa apresentação no Teatro Vasques em Mogi das Cruzes
Segundo semestre de 1995. Eu era uma adolescente e frequentava a oitava série do Ensino Fundamental da escola estadual no bairro onde eu morava. Tinha na vida poucas preocupações, ano de formatura pensava como seria meu vestido para o baile já que a cor escolhida por todas era branco -eu queria preto mas na votação perdi. Nas aulas de redação me encontrava, pois ali minha professora Marli nos levava poetas e escritores que mostravam um mundo completamente diferente do que eu estava acostumada, era como se janelas e portas se abrissem.
Uma tarefa nos foi dada: escrever um texto para teatro que seria encenado na mostra estudantil promovida anualmente pela Secretaria de Cultura. O secretário, Denerjânio Tavares de Lyra promovia inúmeras oportunidades para que jovens como eu pudessem ter acesso às artes cênicas. Poder pisar no palco do Vasques era um sonho, afinal era uma frequentadora assídua desde criança vendo peças e apresentações musicais.
Porém em uma das reuniões para definir qual texto seria selecionado, nosso professor de História Nabil sugeriu que encenássemos "Morte e Vida Severina" de João Cabral de Melo Neto. Para ele era uma forma de mostrarmos nossa indignação diante à tragédia que acabara de ocorrer- "o massacre de Corumbiara". Na madrugada de 9 de agosto uma propriedade rural que havia sido ocupada pelo Movimento dos Sem Terra foi invadida por policiais e pistoleiros contratados por fazendeiros -conforme consta nas investigações da época. No local viviam 2.300 pessoas, sendo que 12 morreram e 64 pessoas ficaram feridas - 53 assentados (uma criança de 7 anos) e 11 policiais. O presidente era Fernando Henrique Cardoso e começava ali uma discussão do que era necessário fazer para que a tão sonhada Reforma Agrária acontecesse de fato.
Pronto. Achei magnífica a ideia de poder apresentar uma peça que passasse uma mensagem tão forte. Me foi dado o papel que Elba Ramalho interpretou no especial exibido pela Rede Globo no ano de 1981. Elba cantava, eu teria de interpretar a carpideira de sotaque carregado que Severino encontrava em sua busca por uma vida digna.
"Trabalho aqui é o que não falta, a quem sabe trabalhar..." , dizia a personagem.
"Parou. Veja você não está na porta da tua casa feliz, com comida na geladeira, com conforto e luz elétrica, recebendo o Severino", me disse irritado Denerjânio na minha primeira leitura.
Ali entendi que para fazer bem o papel teria de compreender a realidade de quem vive na seca, passa fome, sede, não tem direitos que deveriam ser de todos. Um misto de raiva e tristeza me tomou e a fala ganhou um tom severo, árido como a seca .
Um coro de alunos vestidos de anjos entoava as canções feitas por Chico Buarque e outras que selecionamos para dividir as passagens de Severino. A apresentação foi um sucesso, levamos para nossa escola um troféu e reapresentamos no Vasques.
Uma amiga acostumada com meu jeito "serelepe" de ser comentou comigo: "Tati, adorei a peça mas você estava muito séria no palco".
O texto me pedia essa seriedade. E foi ele quem me valeu um 10 na redação no vestibular três anos depois - o tema era Reforma Agrária e se pedia uma dissertação . Escrevi tudo que pensava e ainda penso, quase 30 anos depois:
" É necessário sim que seja feita a Reforma Agrária. Mas não uma simples distribuição de terras . Deve-se promover meios adequados de trabalho, educação justa para trabalhadores e seus filhos nos assentamentos de forma para que não existam outros 'Severinos' iguais em tudo na vida".
Minha quinta da Saudade vai dividir com vocês o "Funeral de um Lavrador" por Chico Buarque .
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