Brasil, 1 de janeiro de 2023
Eu, sentada de frente para a tv na casa dos meus pais, com todos reunidos e emocionados com a cobertura do que acontecia em Brasília naquele dia. O presidente, eleito DEMOCRATICAMENTE pelo povo brasileiro subia a rampa, acompanhado pela primeira dama, por um cachorro, pelo vice, sua esposa e pelo povo: um menino negro, um líder indígena, um influencer da comunidade de pessoas com deficiência e uma catadora de recicláveis negra. A faixa, num ato lindo, passou de mãos em mãos e foi esta mulher de nome Aline quem colocou a faixa em Luiz Inácio Lula da Silva, o atual presidente do Brasil.
Chorei, foi emocionante ouvir um discurso PARA TODOS. Sem exclusão de raça, credo, de grupo social. Era todo mundo junto e misturado, com alegria e música. O Ministério da Cultura estava de volta e o sol da liberdade de expressão reinava no céu. "Agora temos um país para reconstruir", pensei.
Brasil, 8 de janeiro de 2023
Estava envolvida com uma série tensa exibida pela Netflix: " Olhar Indiscreto". É uma trama que surpreende por cenas fortes e pela história que toda hora revisita o passado das personagens principais.
Meu celular começou a vibrar insistentemente. Nos grupos as cenas assustadoras confirmadas ao mudar o canal do streaming para a GloboNews: pessoas vestidas de verde e amarelo tomavam a Praça dos Três Poderes na mesma Brasília que uma semana antes celebrava - em paz- a chegada de uma nova era. Meu filho de 6 anos ligou a tv da sala e me chamou com olhos assustados: "mamãe venha ver os bichos"...
Não posso nem classificar como comportamento de bicho. Afinal o animal não raciocina. Foram cenas dantescas: pessoas quebrando vidros, defecando e urinando em bens públicos, urrando palavras de ódio e babando pavor. E não era uma revolta do povo: homens abastados e mulheres de classe média alta, que exibiam seus preenchimentos labiais, gritavam de boca cheia sobre viagens para Dubai e Paris, e declaravam ser aquele o melhor dia de suas vidas. Porém,dentre tantos estragos, um especificamente me deu uma prova do real motivo para tanto desespero.
Um quadro do pintor modernista Di Cavalcanti de nome "As Mulatas" foi violentado, com 5 furos na tela . Os "terroristas" - como foram denominados- tentaram ainda destruir a redoma de vidro onde está guardada a "Lei do Ventre" livre. A precursora da Lei Áurea determinava que a partir do dia 28 de setembro de 1871, todos os bebês nascidos de mulheres escravizadas, seriam livres. Em outras palavras: não nasceria mais nenhum escravizado em solo brasileiro. Na época alguns deputados e fazendeiros se revoltaram e pelo ataque do último domingo continuam mostrando- mais de 150 anos depois- que o fato do povo ter igualdade de poderes incomoda. A esse evento em seus grupos odiosos de mensagens deram o nome de " Festa da Selma".
E o "líder" em nome de quem os baderneiros falavam, onde estava?
Foi impossível não me lembrar de uma novela exibida pela Rede Globo chamada Vale Tudo. Reginaldo Farias deu vida à Marco Aurélio, funcionário da vilã Odete Roitman, que desviava o dinheiro da empresa para sua própria conta bancária . No fim da trama, milionário e vendo a miséria do povo brasileiro faz um gesto de "dar uma banana" para o Brasil. A trilha dessa novela vai ganhar aqui no Falando em Sol um post especial. Afinal o último capítulo foi exibido em 1989, ano em que uma onda verde/amarela com dois "L" invadiu o país. Mas esta é uma outra história...
Hoje na quinta da saudade quero lembrar de uma música composta por Cazuza, George Israel e Nilo Romero em 1988 que fala sobre uma festa - não da rica Selma- mas pobre. Tema de abertura da trama global citada acima ganhou força na voz de Gal Costa. Feita logo após do fim da ditadura em um tempo em que se lutava pelas "diretas" fala sobre a realidade do povo brasileiro .
Canta livre, Gal...
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