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Festival Guaypacaré : um começo de descolonização no Vale do Paraíba




Resistência- Festival Guaypacaré de Cultura indígena promoveu para público da cidade de Lorena no Vale do Paraíba um reencontro com sua ancestralidade
Fotos : Tatiana Valente











 Guaypacaré no tupi tem como significado braço de lagoa torta.  Assim se chamava cidade de Lorena, localizada a margem de um braço do Rio Paraíba, no interior de São Paulo. Ponto de travessia feita por bandeirantes e viajantes que seguiam para Minas Gerais em tempos de cobiça pelo ouro, era conhecida como "Porto de Guaypacaré" e servia de apoio às expedições. Antes de se tornar um dos pontos mais conhecidos pelo comércio de escravos, a ainda freguesia tinha inúmeras tribos indígenas e de acordo com o historiador Eddy Carlos Souza Vicente no livro " Uma janela no tempo", a alternativa encontrada para substituir a mão de obra dos negros que não se adaptavam às condições insalubres de trabalho era recorrer às aldeias:" para isso organizavam expedições cuja função principal era 'caçar' o índio no seu habitat natural".

Construída por mão de obra escrava indígena, Guaypacaré se tornou vila no ano de 1788, por um decreto do Governador do Estado de São Paulo Bernardo José Lorena. E como em todo processo de colonização o homem "branco" tomou além das terras o nome do município. O nome tupi foi apagado e  substituído pelo sobrenome português.

Neste último sábado 15 de abril, os habitantes de Lorena tiveram a oportunidade de conhecer um pouco mais sobre a história do município e trazê-la de volta às suas origens. A Praça Arnolfo de Azevedo no centro da cidade foi palco do Festival Guaypacaré de Cultura Indígena, promovido pelo Instituto UK'A- Casa dos Saberes Ancestrais, Coletividade  Vale em parceria com O Espaço ECO'S- Vivências e Integrações e com o apoio da Secretaria de Cultura de Lorena. De acordo com o organizador do evento, o escritor Daniel Muduruku, este mês é de "resistência indígena".

" Não de uma resistência qualquer, mas aquela que precisa ser feita com a alma. Alma brasileira. É preciso apresentar a todo mundo a beleza, a magia, o encantamento, a conexão que nossa gente originária possui e que é expressa nas suas pinturas corporais, nos bailados de gestos corporais, nas rezas em formato de canção, nos torés capazes de unir o céu e a terra", afirma o escritor.

No evento estiveram presentes tribos de Bertioga, São Sebastião e de Ubatuba e apresentaram no palco da praça canto coral, danças, e ao longo do dia os visitantes puderam conferir os artesanatos produzidos por eles além de pintura corporal e a feira de literatura indígena. Adolescentes da aldeia de Bertioga celebravam o fato de poder compartilhar com a comunidade lorenense um pouco de suas culturas.

" Esse evento é importante para não esquecer nosso canto, nossa dança, para fortalecer nossa cultura", contou Lídio, do Coral Guarani de Bertioga.

A ativista e porta-voz de Munduruku no evento Nani Braun falou sobre a importância de se descontruir, descolonizar o país. A descendente de alemães se encantou pela causa indígena há quatro anos, após passar por problemas pessoais e sentiu no coração um chamado para lutar pela causa e pelos direitos dos povos originários.

" Após completar 60 anos, decidi após passar por problemas pessoais me aproximar desta causa, e apesar do fenótipo europeu fui recebida com muito carinho, eles foram extremamente generosos, com eles me reencontrei, foi um processo de autoconhecimento. O significado de brasileiro é "extrativista de pau brasil", e continua assim. Mesmo com tantos anos de descobrimento do país a população brasileira não mudou e nos últimos quatro anos deram aval para 'essa ideologia', que promoveu a perda da coletividade. Essa ação, gerou uma reação, e resolvi me juntar a eles, Honro Daniel, e honro os intelectuais e pensadores originários", se emociona a também educadora.

Para o produtor cultural Raphael Crespo o evento traz como principal mensagem a resistência indígena, é uma forma de valorizar parte da cultura do povo brasileiro com ações que promovem ao grande público o contato com os povos indígenas.

" O Festival é importante para dar visibilidade aos povos indígenas. O público de cidades do fundo do Vale do Paraíba como Lorena não têm esse contato. Este evento é uma forma de incentivar a ação cultural dos povos e fomentar a cadeira produtiva da cultura indígena e promover saberes como um todo", conclui Raphael.

Presente no evento, o prefeito Sylvio Ballerini também falou sobre a relevância do festival para se promover o intercâmbio cultural na cidade de Lorena e prometeu ainda mais projetos culturais para o ano de 2023.

" Este evento é muito importante para o município. Temos apoiado todos os eventos da área falada, conseguindo atender todas as áreas da cultura. Para esse ano ainda teremos a Festa da Padroeira, a Loren Vale, para todos os públicos", contou.

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