Nas ruas de Itabira as pedras traçam o caminho já descrito pelo poeta Carlos Drummond de Andrade em uma das placas expostas na cidade . O chão, as paredes e as portas dos casarões antigos brilham, como se fossem joias , que enchem os olhos e evocam uma certa magia poética. O vento traz uma nuvem de poeira que cobre tudo com um cobre cintilante. Resquício do minério de ferro extraído na cidade localizada ao leste da capital de Minas Gerais, também conhecida como "Cidade do Ferro". Ainda limpando os olhos em busca de mais uma placa com uma poesia de Drummond vejo em um poste um cartaz em preto e branco com letras em negrito " QUERO VIVER DE AMOR MAS TÔ MORRENDO DE SAUDADE".
Tiro o celular da bolsa para fotografar a frase e sem notar a existência de um QR Code sou direcionada para a plataforma musical que tenho em meu aparelho para a música de Thiago SKP. Ali tinha um contato no Instragram de onde envio um direct para poder conhecer mais sobre seu trabalho.
O rapper itabirano traz em suas canções rimas e críticas sociais, bem como o conterrâneo Carlos, e muitas vezes denunciando a ação do homem na modificação da paisagem natural de Itabira. Suas músicas chamaram a atenção da ONG People's Palace Projects que ao tomar conhecimento da obra do artista o convidou para participar do filme " Vale", inspirado no livro "Arrastados" ,da jornalista Daniela Arbex, que narra a tragédia ambiental na barragem desativada da Mina do Córrego do Feijão na cidade de Brumadinho, que ceifou a vida de 270 pessoas e deixou um rastro de tristeza e destruição.
Ainda pela ONG, Thiago lidera " A Essência Vive", um projeto no qual leva para crianças das escolas de Minas Gerais uma inserção no mundo da literatura, com o intuito de aproximá-las da poesia e embutir nelas, além do senso crítico, o hábito de escrever.
O rapper já teve a oportunidade ainda de dividir palco com o grande ídolo Gabriel, O Pensador, e tem parcerias com nomes de peso como Djonga, Froid, Clara Lima, FBC, em canções que falam de amor e representatividade. Torcedor do Clube Atlético Mineiro, vê o futebol e a arte como canais de comunicação para cultivar a semente da paz e da tolerância. As músicas de SKP podem ser conferidas em seu canal no YOUTUBE ou nos streamings.
Dos postes de Itabira para o Falando em Sol de Hoje convido vocês para que conheçam a história de Thiago SKP.
(Tatiana Valente)
F.S Quando e como você se interessou pelo rap?
Eu faço rap desde 2006, tinha um grupo que iniciou em 2007 e durou até 2011 e na infância eu ouvia tudo o que meus pais ouviam, mas me interessei pelo rock nacional. A primeira banda que me lembro de ter me apaixonado foi legião Urbana e depois foi seguindo naturalmente esse fluxo.
F.S - Como foi o encontro com o Gabriel, O Pensador? Qual a sensação de poder dividir palco com uma referência?
O encontro com o Gabriel, O Pensador foi sem palavras, é uma referência. Foi a primeira fita que tive de rap e olhar para o lado e ter uma referência tua ter executando um trabalho simultâneo é a confirmação do caminho que estou seguindo.
F.S - Você é Itabirano, como Drummond. Ele te inspira? A poesia e o rap dialogam?
Sou Itabirano e Drummond me inspira desde sempre. A poesia e o rap dialogam totalmente, porque a sigla RAP significa rhythm and poetry que é ritmo e poesia. A poesia faz parte do rap, e ele veio da poesia junto com o ritmo. Drummond aqui em Itabira, por ter os caminhos Drummondianos, as placas com as poesias dele, a gente rima e lê isso desde muito jovem então isso me inspirou muito.
F.S- Como surgiu o convite para participar do filme Vale?
O convite do filme Vale surgiu porque a galera da People's Palace Projects entrou em contato com a Fundação Cultural que sugeriu vários artistas de Itabira para a seleção e eles escolheram meu trabalho onde a gente firmou uma parceria e uma amizade, criei a música, fiz um projeto educacional para eles e a participação nesse filme, além da trilha sonora. Então...sem palavras...
F.S -"Quanto Vale" foi inspirada no livro da jornalista Daniela Arbex " Arrastados". Como você avalia a atuação das mineradoras no Vale do Aço?
Quanto Vale na verdade foi inspirada na história aqui de Itabira. O filme da People's Palace foi inspirado no livro da Daniela Arbex com convite para participar do filme fiz essa música que acabou virando a trilha sonora do filme e ganhando o festival da música ano passado em Itabira.
F.S- O conteúdo online de "Por mais amor, por favor" foi gravado numa casa Quilombe em Marinhos- MG. Você também já gravou videoclipe na comunidade de Heliópolis- SP. Pra você qual a importância da arte como instrumento de denúncia e porta-voz da sociedade?
A Comunidade Quilombola fazia parte do projeto educacional da People's Palace. O Rei que é integrante desta comunidade faz parte do projeto e a gente estava apresentando lá. Também gravamos em Heliópolis com vários "monstros" do rap nacional como Rodrigo Nonato, Chico, Zeus, Boneco do Atentado Napalm. Acho que a arte em si é um instrumento de expressão e a mesma firmeza que a gente tem para expressar nossa felicidade ou tristeza é essa mesma vontade para expor o que os nossos olhos estão enxergando, a realidade, a verdade diante nossa interpretação. A arte é o nosso poder de questionar, poder de abrir os olhos, passar uma visão, alimentar uma chama, a arte como instrumento de denúncia e porta-voz da sociedade é uma ferramenta imensa de expansão de consciência. Uma vez que ela é expandida dificilmente voltará ao tamanho original então acho que a arte como instrumento disso é colocar a luz, o foco onde está sendo inviabilizado, é mostrar o que eles estão colocando embaixo do tapete, é discutir soluções . Acho que arte tem esse papel e foi o que me fez me encantar.
F.S- Você é torcedor do Atlético Mineiro. Como vê a violência nos estádios?
Sou torcedor do Atlético, faço as músicas também tive a honra de participar com Djonga, Froid, Clara Lima, FBC e outros "monstros" da música oficial do aniversário do Galo e da música do aniversário de 113 anos eu e o Pedro Vuks fizemos, também fizemos " Vingadores" e com certeza terão outros projetos. Acho que a violência nos estádios é reflexo da violência na sociedade. Ás vezes o fanatismo cega um pouco a consciência e a gente começa a odiar outras pessoas não pelos seres humanos que são mas pelas "bandeiras" que vestem. Estamos falando de futebol mas isso acontece em inúmeras áreas da vida, seja em religião, a gente vê intolerância religiosa hoje, seja por questões de gênero, de etnia então a gente sempre vê que as diferenças são exaltadas e acaba tendo esses conflitos. Acho que mais importante que a bandeira que se carrega no estádio, é a essência que o ser humano traz ali. Muitas vezes a gente tem tanta coisa em comum e a única diferença é o time que a gente torce, não acho que é um motivo para ser violento, tirar a vida do outro. Até acho que tenho um papel importante na parte de conscientizar, a arte abre os olhos e a consciência das pessoas para essa relação também.
F.S- "A Essência Vive" leva música e poesia para crianças e jovens nas escolas. Qual a importância de projetos como esses?
A " Essência Vive" é um projeto de inserção literária onde a gente insere os meninos na Literatura, eles enxergam uma distância muito grande quando a gente fala em poesia. Como algo elitizado, mais próximo da burguesia. Eles não imaginam que a poesia é a vida, tem a poesia de favela, a literatura marginal, que conta a história dele através da vida de outras pessoas que têm uma vivência parecida que é a chamada identificação. Esses projetos são de uma importância máxima, pode ser a porta de entrada- não só- para o menino se interessar pela literatura pelo lado profissional mas para o lado da vida, de se colocar no papel a ansiedade, a depressão e refletir através disso, a lapidação pessoal de escrever uma ideia e ter essa conversa consigo mesmo lendo essa ideia do registro no papel. As grandes ideias do mundo antes de serem atitudes primeiro foram para o papel. A ideia, o papel, a atitude, então é fornecer um novo horizonte e vários caminhos que levam ao mesmo objetivo que é a lapidação pessoal e a evolução como progresso, como pessoa. Basicamente isso.
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