Mês das crianças.
Olhando minhas fotos constato o quanto fui feliz, numa infância com trilha sonora. E me lembro de muitas canções das quais você,que me acompanha aqui, já sabe que são parte da minha infinita trilha de vida. Mas tem uma pela qual tenho carinho enorme e rendeu uma história que amo lembrar. Do cantor e compositor Wando em parceria com Pedro Fernando de Melo Medeiros, " Chora, Coração" fez um enorme sucesso no ano de 1985, tema de Lucinha Lins em Roque Santeiro.
Já deve estar aí pensando...como assim? Wando, pra uma criança?
Bem, passava o ano aguardando minhas férias de junho e de janeiro. O destino era a casa da minha avó, um sítio em Cruzeiro. Lá vivia um primo, mais novo que eu uns dois anos. Ele era pequenino, miúdo e tinha uma voz muito aguda. Vivia cantarolando e não deixava ninguém cantar a música do Wando. Essa era dele. Nos dávamos muito bem, tirando as vezes em que ele queria trapacear nas nossas apostas de corrida fingindo crise de bronquite- ele de fato tinha, mas se perdia fingia falta de ar- e eu, muito marrenta, chutava sua perna e falava: " levanta logo seu molenga, é mentira, já sei". O único momento em que nos desentendíamos era quando pra provocar eu começava a cantar :"um amor quando se vai..."
Confusão na certa. Só ele podia cantar essa.
Todas as segundas à noite acompanhávamos nossa avó e tias avós ao culto familiar em casas que ficavam ao longo da estrada que na época ainda era de terra. Nos reuníamos nas salas onde faziam a leitura da Bíblia, comentavam sobre os exemplos deixados por Jesus e cantavam hinos da harpa. Éramos chamados de ovelhinhas, e não me lembro de um pastor, os irmãos- ali todos eram iguais- conduziam a reunião, aguardada por nós até o fim quando serviam chá mate e bolacha de maisena. Embora acostumada com guloseimas sem fim na cidade, esse ritual tinha e ainda tem um doce sabor de lembrança.
Num certo momento o irmão perguntou se alguém queria cantar um louvor. Um silêncio pairou na sala de chão vermelho. Meu primo, que tinha uns seis anos na época levantou a mão. Olhei para minha prima que tinha a mesma idade que eu com cara de assustada. O que viria dali...
"Ah que maravilha, uma criança vai adorar o Senhor ", e o irmão continuou falando sobre a sinceridade da oração das crianças e sobre como Jesus as amava.
Meu primo se colocou em pé. Como um pequeno curió, estufou o peito e muito compenetrado começou a cantar:
" Choooooora coração, passarinho na gaiola, feito gente na prisão..."
Um silêncio pairou no culto. Minha prima e eu não seguramos o riso. A história foi contada para todos da família, e a música de Wando, hit da minha trilha sonora. Infelizmente, nem o cantor nem meu primo estão mais aqui para cantar essa música. O coração foi o motivo. O artista teve uma parada cardiorrespiratória em 2012. Meu primo teve novamente a falta de ar. Nas nossas últimas mensagens trocadas falei para ele se levantar, mas desta vez ele não estava brincando. O Covid o levou, aos 37 anos. Uma semana antes de sua tão aguardada vacina.
E hoje, minha quinta da saudade vai para o ano de 1985, quando "Chora, Coração" foi lançada no álbum "Vulgar e Comum é não Morrer de Amor".
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