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Entrevista- Suyá Synergy : a soma de ritmos em uma só artista



Sinergia - cantora, compositora instrumentista baiana é a soma de todos os ritmos numa potência musical única
Foto: Aynã Nascimento


A pequena bebê nascida no Bonfim  já tinha seu destino traçado : ninada ao som da guitarra de seu pai, o músico Heládio Torinho , e as "viagens estelares" dos solos de guitarra do Pink Floyd ouvido pela mãe, a  Dj Zia Satyam traçaria uma vida na qual a música seria sua guia. Na medida em que crescia e estreitava laços familiares e de amizades, a menina  assimilava os mais diversos sons ouvidos por aqueles com convivia. Um junção de diferentes sonoridades, uma união de diferentes estilos daria origem à hoje artista Suyá Synergy.

 No português, sinergia é a junção de várias forças para a obtenção de um resultado superior. Com Suyá, que traz essa palavra em seu nome artístico, é o resumo de sua essência musical : a mistura elétrica da guitarra com a suavidade da voz que canta letras com reflexões sobre  sociedade.  

Recentemente lançou o single "Corpo no Meu", que faz parte do álbum Devaneio Veraneiro e está disponível em todas as plataformas e também no YouTube :https://www.youtube.com/watch?v=NSgR6Ew5VK4

Representante do universo feminino, foi indicada como produtora no Women's Music Event Powered by Billboard 2023 e se define como como uma "mulher negra, queer e guitarrista, que cria música que fala de espiritualidade sem limitações religiosas". 

E é a potência e diversidade musical de Suyá Synergy que o Falando em Sol celebra na entrevista de hoje.

(Tatiana Valente)

F.S - Como começou sua história com a música?

Assim que eu nasci, (risos) ! Parece clichê, mas é verdade. Minha mãe me diz que eu acordava cantando, era assim que eu dizia bom dia mundo! Meu pai Heládio Torinho é um grande guitarrista, tocou com artistas que hoje são meus ídolos como Margareth Menezes. Durante a minha infância no Bonfim(onde eu nasci), lembro daquele ônibus gigante parando na nossa porta, e dando um “até logo!” pra meu pai, se aventurando em mais uma turnê. Quando ele ensaiava em casa, tocava a guitarra comigo no colo. Por mais que eu não tenha memórias palpáveis dessa experiência, tenho a plena certeza de que essa vivência ecoa em minha essência diariamente. Aos 9 fui convidada a aprender piano por minha mãe, foi o meu primeiro instrumento. Dali em diante, a orquestra que já existia na minha cabeça começou a se tornar real, ao finalmente ter uma ferramenta para me auxiliar com esse fim. Comecei a compor cedo, letras que gritavam aos ventos os frutos da minha imaginação expansiva. Na sexta série comecei a explorar mais 3 instrumentos, o clarinete, a bateria e o steel drum (instrumento percussivo caribenho). Em apenas 2 meses de filarmônica no colégio, me tornei primeira cadeira de clarinete. Minha paixão pelo mundo musical só se tornou cada vez mais intensa, a ponto de desejar experimentar com artigos caseiros para criar novos instrumentos, esses que viriam a fazer parte das minhas gravações com experimentações em cassete. Sou uma verdadeira 90's Kid (risos). A guitarra, hoje meu instrumento principal, veio a mim aos 12. Lembro das primeiras músicas que aprendi de meu pai, repeti o mesmo repertório de 2 músicas em todo lugar que chegava, “Girassol” do Alceu e “Epitáfio” do Titãs. Encontrei o Rock, criei minha primeira banda, e daí o mergulho profundo já havia se tornado Vida. A definição de música pra mim.

F.S -  Quais suas referências musicais?

Multi, como eu! Desde cedo fui apresentada a diversos gêneros e culturas. Minha família émuito musical, sempre houve músicas belíssimas nos abraçando em todas as aglomerações familiares. Minha vó escutando bolero, jazz e samba, meu pai cantando os clássicos da Rita Lee ao mesmo tempo que se embalava no molejo de Luís Caldas e solos do Joe Satriani. O pagode dos anos 90 que o meu primo escutava ao estudar o cavaquinho, e as viagens interestelares proporcionadas pelos solos de guitarra do Pink Floyd que minha mãe (Dj Zia Satyam) sempre cantou emocionada ao lembrar da sua juventude em Londres. Sem falar nas viagens pelo mundo que sempre foram um pivô no meu conhecimento musical. Saí do Brasil aos 9, diretamente para Hong Kong onde estudei numa escola Canadense(rs). O que acontece quando uma baianinha pousa no oriente? Mistura! Viajamos muito pela Ásia, fui apresentada a uma cultura praticamente oposta à que eu conhecia. Isso expandiu meus olhares enquanto ainda em formação como ser humaninho dessa Terra. As extravagâncias de Bollywood, os mantras budistas, as diferentes sonoridades entre o chinês e o cantonês. Tudo era música aos meus ouvidos e hoje isso prevalece. A Disco Music das brilhantes Gloria Gaynor e a Diane Ross também esteve muito presente durante a minha infância, ao mesmo tempo que ouvia as guitarras de Ali Farka Touré envolvidas na percussividade de uma Bahia distante porém tão presente em mim, minha matrizAfricana. A Salsa do Buena Vista não me escapou, muito menos o Blues carregado de ancestralidade. Já tive minha fase metaleira, toda de preto tocando o terror dentro do meu quarto com meu cd de trilha sonora de um dos clássicos de zumbi “Resident Evil”(kkkkkk), assim como um período um tanto emotivo do rock ouvindo do The Smiths ao Blink 182. Os anos 80 sempre foram uma década muito apreciada por mim. Sendo ouvindo as intros sintetizadas do Depeche Mode, as vozes sombrias e apaixonadas do The Cure ou as melodias afiadíssimas do AHA em “Take on me”. Poderia afirmar que ao lado da definição de “eclética” no dicionário escrevo o meu nome. Hoje com o desenvolver da música eletrônica possibilitando a criação de tantos ambientes, essências e criações, me tornei também uma grande amante de diversas manifestações do gênero como o House Music do Black Coffee e a psicodelia do Infected Mushroom. Eu gosto do que me faz sentir. Sinto, logo tô VIVA! Visto isso, não preciso nem comentar do efeito da música brasileira que vive em mim. O povo brasileiro tem muito sentimento, faz com vontade. Alguns álbuns que tocaram em um loop no meu discman foram “Feijão com Arroz” da Daniela Mercury, e “Admirável Chip Novo” da Pitty. Caetano, Gil, Gal, Legião, Cazuza, Ultraje a Rigor e até Sandy e Junior. Tudo junto misturado. Por tanta influência, hoje identifico o meu gênero musical como SYNERGY, a alquimia que nasce dessa efusão dos sentidos. Eu gosto de música que faz as cordas do meu coração vibrar.

F.S-  Como nasceu o Corpo no Meu? Qual foi a inspiração?

Um dia me deparei com um artigo da revista TPM  com o título “A amizade feminina o novo amor romântico?” Se tratava de um texto escrito pela psicanalista Ingrid Gerolimich, onde afirmava que essas amizades eram as que nos salvavam de relacionamentos abusivos, acolhiam a nossa tristeza, e acreditavam em nós fielmente. Eu percebi que sou APAIXONADA por minhas amigas. Portanto não quero vê-las sofrer. Por elas eu me dissolvo e me doo, fazê-las sorrir é também uma missão de vida. A partir dessa perspectiva romântica do assunto, acabei por viajar na semântica sexual da coisa. O sexo é tido como algo necessário perante um relacionamento amoroso, até muito mais que companheirismo, afeto e confiança. O que me fez questionar, de onde veio esse tabu de que amigos não podem desfrutar do gozo juntos? Se existe respeito, comunicação aberta, pertencimento, cumplicidade, dedicação...Daí entrei nesse devaneio como uma mulher queer que tem muitas amigas estritamente heterossexuais. Quantas amigas já vi sofrendo por boy descuidado que nunca as fez realmente desfrutar do prazer. Fica a dica. A amizade já existe, a relação já é próspera, e não dá pra deixar uma mulher incrível chorando por aí. Compartilhemos do prazer, se a vontade de envolvimento físico for mútua. Por que não dar prazer a quem já te dá mais vontade de desfrutar da vida? E se o que foi deturpado com a pornografia fosse real por escolha entre amigas em expandir suas fontes e formas de carinho?

F.S-  Quantas músicas irão compor o Devaneio Veraneio?

De 7 a 13 (risos). Musicalmente, o álbum surgiu a partir de um desafio de 30 dias proposto pela “She Shreds” rede de mulheres guitarristas pelo mundo. O desafio era criar um “guitar lick” inédito por dia, durante 30 dias. Eu sendo a capricorniana que sou, levei esse desafio muito a sério comigo mesma. Não só criei um lick como produzi 30 temas diferentes com instrumentação completa, acompanhados de uma viagem visual da minha criação. Dentre esses temas eu consegui ouvir todas as influências citadas, um verdadeiro universo se desabrochou dentro de mim. Dentre essas, 5 temas começaram a se desenvolver em músicas desde então, e foi quando eu percebi que um novo álbum estava a caminho. Esse álbum não só representaria a minha Synergy como também abraçaria o meu Eu completo, como uma homenagem em gratidão aos sussurros criativos do Universo. Sinto a vontade de abrir espaço para a Suyá de todos os anos anteriores. Sempre cheia de ideias enquanto mergulhada na timidez engatilhada por uma sociedade que sempre lhe imponha limites. Querendo ser autêntica em um mundo onde padrões precisam ser seguidos a fim de encontrar o sucesso. Quero agregar esse passado como o adubo do nosso presente. Tenho mais de 100 músicas que amo muito, mas que nunca compartilhei com o mundo. Quero trazê-las a tona. Tem música sendo lançada mensalmente até dezembro, álbum completo saindo no meu aniversário 17/01. De verão a verão, me esquivo do cronológico e abraço as diversas dimensões. Quem sabe com o álbum completo não venham algumas extras inéditas?

F.S - Como foi pra você ser indicada como produtora no Women's Music Event powered by Billboard 2023?

Um combustível para manifestar e confirmação de que eu existo. Nessa realidade patriarcal, nós mulheres podemos exercer o nosso melhor, dedicar toda a nossa integridade a um ofício, e ainda assim não nos considerarmos profissionais, pois não nos veem como tal. Eu sou uma profissional, ainda que duvide inúmeras vezes diante das portas que se fecham para o meu brilho. E foram-se anos de muito trabalho com a minha autoconsciência, minha espiritualidade e memórias desagradáveis. Esse processo é doloroso, porém necessário. Passaria por tudo outra vez, só pelo fato de hoje chegar aqui e falar que nunca larguei a minha mão, e não vou desistir do que faz de mim um ser humano em gratitude a esse dom musical. Ter esse reconhecimento em massa é muito gratificante, e eu me sinto honrada em fazer parte dessa era onde se faz esse tipo de revolução. Me sinto lisonjeada em fazer parte de tamanho movimento junto a tantas que já duvidaram tanto de si ainda que sejam donas de espetacular brilho. E fico ainda mais feliz por ter adentrado um espaço onde minha voz possa ser escutada a fim de a cada dia abrir mais e mais espaços para essas mulheres que admiro se fazerem vistas e reconhecidas, individualmente em coletivo.

F.S- Como você define a artista Suyá?

Multi, diversa, agregadora. O todo sem exceção. Entre o errado e o certo está o que
simplesmente é. Suyá é, existe, e está em múltiplas maneiras perante seu desenvolvimento.Suyá é espelho, é inspiração, eterna aluna do cosmos.
Sou Suyá, mulher denominada negra desde a infância que hoje se reconhece  comoAfro-Indígena. Meu nome, inspirado em uma presença cultuada dentro da comunidadeTxucarramãe, sugerida como "Guerreira" ou "Canto dos Pássaros", onde a minha bisavó nasceu. Sinto no âmago da minha chama-trina, essa ancestralidade dos povos originários pulsando, e me direcionando a minha missão de vida: Ajudar a humanidade a relembrar quem ela realmente é através da música como ponto de partida. Para mim, a música vive no todo, não apenas dentro de estrofes e versos estruturados pelo business da mesma, mas em tudo que se escuta, inclusive no silencio que também reside nela.
Para além da objetividade da teoria musical e nível de execução da mesma, não se fala muito perante um arranjo sobre a energia infiltrada em uma canção através de quem a manifesta. A forma que cada um formula frequências ao emitir um som, varia, assim como ninguém tem a mesma digital. Somos corpos de água que modificam frequências tanto como somos influenciados por elas. De tal forma uma frequência manifestada, altera a vibração de quem escuta, que então "exala" tal frequência que há de influenciar na reformulação que ocorrerá em seu meio e nas pessoas com quem convive. É um ciclo delicioso que pode e há de ser utilizado
como ferramenta de cura de uma espécie que se perdeu no tempo enquanto tentava controlá-lo. Existe sim uma sinfonia que se propaga em constância no nosso ambiente, das moléculas transformadas na jornada com o tempo do vento. Sinfonia talvez não tão audível
quanto a um som masterizado prestes a ser lançado nas plataformas digitais, mas como sementes que adentram nossas mentes camufladas em sussurros que desfrutam do nosso subconsciente, conscientemente. A natureza é a pioneira do termo "lavagem cerebral" porém em prol da evolução, tal lavagem que fora distorcida como arma do capitalismo para influenciar toda uma nação em hábitos que se tornam um veneno em meio a um povo que se destrói enquanto foi criado para AMAR e abraçar ao seu meio.
Visto isso, sinto que essa troca diante dos meios artísticos. É uma colaboração para a minha missão, incorporar a ancestralidade que NOS habita, e servir de ferramenta e veículo da natureza para amplificar o que suas vozes estão a cantar. Focando nas minuciosidades dos sons que compõem sua total abundância, assim como visualmente todo o movimento do tempo em sua morada original através da manifestação dos seus corpos naturais. Com a utilização de gravadores de grande sensibilidade, microfonação de contato, e uso da tecnologia das DAWS que hoje revolucionam a produção musical (que usarei para evidenciar as frequências mais gritantes diante do spectrum de cada som captado), me deixarei manifestar com a instrumentação do corpo assim como outras diversas do meu convívio através da meditação em conexão com o meio, sendo co-arranjador da natureza ao perceber e executar através de mim, a sua influência molecular em forma de SOM.
Suyá se destaca como uma mulher negra, queer e guitarrista, que cria música que fala de espiritualidade sem limitações religiosas. Ela utiliza a música como um elixir de cura, explorando as intrincadas frequências que percorrem nossos corpos aquáticos. Seu estilo musical, conhecido como Synergy, desafia categorizações de gênero, abraçando os impulsos orgânicos de uma alma artística - uma manifestação da essência de cada indivíduo. O momento presente é sua tela; assim, a não- linearidade das emoções e dos sentidos torna-se o coração de cada manifestação.


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