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Um dia de fã: uma noite de Barítono

 


Visão - imagem do telão mostrava os fãs de Lulu Santos hipnotizados por seus solos de guitarra que soam melhores ao passar dos anos
Foto: Tania Lopes


Bateria do celular 100%. Relógio marca dezesseis horas e cinquenta e dois minutos. Após uma noite com dores de cabeça, vômitos e dores abdominais, precisa sair.  Veste sua belíssima blusa azul royal e segue em direção ao metrô da Vila Mariana. Destino: Barra Funda. Do mesmo canto da cidade a jovem paranaense Laís Souza aguarda o uber, que no cálculo feito pelo aplicativo demorará uma hora até que possa chegar no mesmo local que  Lia. Trajada de preto as botas pratas brilhantes anunciam que a ocasião é de fato especial. Enquanto todos no Rio de Janeiro se preparam para ver a rainha do pop na despedida da turnê Celebration Tour, o carioca Marcos viaja para São Paulo, afim de se encontrar com Murillo, George, Andreia e Tania que não se conforma por ter se esquecido dos balões. Todos têm a mesma intenção: estar no 68º show da turnê Barítono, de Lulu Santos, que aconteceu sábado no Espaço Unimed em São Paulo. A data escolhida pelo grupo desde dezembro- quando abriram as vendas dos ingressos- teria um único motivo: aniversário do rei do pop nacional.

Os portões da casa se abriram e acomodados de frente ao palco esperam por aproximadamente três horas enquanto o DJ da casa toca clássicos dos anos 80 e 90. Um burburinho começa entre adolescentes ,fãs da nova geração, que estão no local -"é Lulu?", perguntam. Era Marco Bido, cover de Lulu há mais de 30 anos, com sua camisa de renda e barba branca tal qual o ídolo. É requisitado para fotos pela mineira Débora, impressionada pela semelhança e aproveita para contar estar ali em homenagem ao marido, falecido em decorrência do Covid, na espera pela música que fez a trilha sonora do casal. Assim como Regiane e Paulo, que tiveram o namoro embalado por músicas do compositor carioca. 

 Os telões finalmente anunciam as medidas de segurança e  a uma voz parecida com a de uma comissária de bordo deseja um bom espetáculo. Um longo instrumental causa no público um frisson, de que a qualquer momento as cortinas se abrirão e a viagem musical irá começar. Parece uma eternidade, até que a escuridão cede espaço para  luzes de cores variadas projetadas em cortinas brancas sobrepostas no teto em formato de ondas. 

Um funk animado anuncia a chegada dos músicos no palco e o backing vocal Robson Sá dá uma mostra de sua aptidão para a dança, com passinhos que empolgam os presentes. Eis que Lulu chega e levanta a casa cheia com o hit " Toda Forma de Amor". Ao final da música tem o "boa noite" interrompido por um coro de aproximadamente 6 mil pessoas entoando "Parabéns pra você" e agradece, afirmando que não haveria forma melhor de celebrar um novo começo de tempo. E a viagem promovida por  um espetáculo da maior qualidade com músicos extremamente competentes seguiu a noite. 

A bateria de Sérgio Melo com a estampa da capa do disco "Lulu" conduzia com batidas e viradas os passos daqueles que dançavam. Hiroshi Mizutani trajado com seus óculos intergalácticos trouxe modernidade para clássicos como Condição e "Um Certo Alguém", um teclado com um som de outro mundo. Um Tavinho Menezes mais solto no palco mostrou com sua guitarra toda a habilidade de um músico altamente qualificado para acompanhar um mestre do instrumento. As almas das melodias são obras de Jorge Aílton, com o baixo que conduz com classe e conferindo um balanço único para as canções. Jorge toca de soul para souls . Ele também divide vocais com Robson Sá, que a cada show mostra uma voz aprimorada, nascida para o palco. Esta dupla protagoniza ainda  um momento especial em Barítono, dando a " Você não serve pra Mim", hit da Jovem Guarda uma roupagem moderna e dançante.

Com um repertório mais enxuto e fluído, as duas horas e meia de apresentação parecem passar num piscar de olhos. Diferente dos artistas que insistem no mesmo set list  Lulu revisita canções que não foram tão executadas nas rádios, de conhecimento apenas dos fãs mais atentos, e desta vez trouxe "Esse Brilho em Seu Olhar". Os arranjos ganham novos ares, todos muito bem articulados, porém é notável a falta de um instrumento de sopro em algumas canções marcadas pelas intervenções de músicos como Léo Gandelman, Milton Guedes e P.C.

Aos 71 anos, assim como Madonna, o astro esbanja sex appeal e mostra que etarismo e preconceitos com ele não têm vez. Com uma performance totalmente sensual mostrou aos mais jovens que está em forma e  assinando e firmando o título de "último romântico", mas muito diferente da americana que se cerca de dançarinos, é acompanhado por uma banda da qual se orgulha . O mesmo frescor se estende aos solos de guitarra, lancinantes e hipnotizantes que calavam a todos num silêncio absoluto e expressões de admiração.

Ao final do show se despediu com os versos de "Um pro outro", se apresentando como Luiz Maurício, mas que podia ser chamado de Lux. O tão aguardado bolo no palco - como foi feito ano passado com o público carioca - ficou restrito a um grupo formado por uma apresentadora de tevê, um conhecido historiador/professor e a uma modelo aspirante a cantora nos bastidores e seu backstage, o justo,afinal o espetáculo só acontece graças a competência de todos eles.

O grupo de fãs citado no começo desta matéria se dirigiu até a  porta do camarim para tentar ser atendido pelo ídolo. Produtores da casa colocavam conhecidos porta adentro, enquanto uma idosa na cadeira de rodas implorava pela oportunidade de uma foto. Ao conseguir e sair do camarim com brilho nos olhos foi cumprimentada pelo grupo que comemorava com ela a realização do sonho. Numa última tentativa de ter ao menos um boa noite do aniversariante o grupo composto por aproximadamente quinze pessoas e um violão, se dirigiu ao portão  de onde saiam os carros do Espaço Unimed. Depois de uma hora e meia de espera foram "tocados" do local pela funcionária que jocosamente afirmou : "podem ir embora, estão perdendo o tempo de vocês, ele já foi embora de velho, saiu pelo portão lateral", rindo dos apaixonados que partiram. Alguns em direção a seus veículos, outros para aguardar a abertura da estação do metrô e mais cinco juntos como medida de segurança para aguardar o carro de aplicativo. Num misto de decepção e alegria prevaleciam  as lembranças  de um espetáculo único liderado  por uma voz rouca de  um barítono e o som de sua guitarra num sábado à noite.

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