" Deixa, deixa, deixa eu dizer o que penso dessa vida, preciso demais desabafar..."
E aqui, de plantão olímpico - não por trabalho mas por gosto- comemoro cada medalha conquistada pelos nossos irmãos brasileiros. Meu conterrâneo do judô: não peça desculpas, você foi guerreiro, em sua primeira olimpíada lutou com um japonês de sobrenome Abe, quando na nossa cidade dessa família só conhecíamos nosso ex-prefeito.
Agora feliz mesmo fico a cada medalha conquistada por uma mulher. Não, não estou querendo começar aqui uma guerra dos sexos, mas é porque sei quanta luta existe por trás de cada vitória, do suor derramado por cada uma delas. E as dificuldades que nós- por sermos mulheres - enfrentamos ao longo de nossa jornada. Ontem vi o desabafo da atleta Flavia Maria de Lima, acusada de abandono parental por ter viajado para disputar as Olimpíadas. E isso não acontece só com as esportistas. Mulheres que saem de casa em busca de seus sonhos e de suas independências financeiras são julgadas a todo momento por homens e muitas das vezes pelas próprias mulheres, que perpetuam o legado do patriarcado. Meninas de rosa, meninos de azul.
Quantas mulheres deixaram seus sonhos pelo caminho para assumir a responsabilidade de cuidar dos filhos por não contarem com uma rede de apoio. Muitas se renderam à depressão, aos vícios e até mesmo ao suicídio por não conseguir sair da roda viva : silencia a própria dor em benefício dos filhos, da família, do próximo . O não encontrar na próxima a tal da sororidade, um ouvido de escuta, um alguém apenas para desabafar dá um imenso aperto no peito.
Recomendo para você que está lendo esse texto que assista à série "Pedaço de Mim", disponível na Netflix, com a atuação brilhante de Juliana Paes. Ali entenderão tudo isso que estou escrevendo aqui. Mulheres são julgadas o tempo todo até mesmo quando sofrem abusos. São tidas como exageradas, loucas, ingratas. Quando não são deixadas marcas na pele é muito difícil de se contestar. E como disse minha colega de profissão Natuza Nery a respeito do aumento da violência psicológica contra as mulheres em noticiário da Globonews: " quando eles deixam marca na alma, talvez fique mais difícil de comprovar".
Vivemos em um país em que 90% dos crimes contra a mulher são cometidos por homens. Segundo dados do Ministério da Mulher a cada oito minutos uma de nós é estuprada no Brasil. Da força maior, de quem se espera proteção, temos abusadores e condenadores. Como no caso da menina de treze anos, estuprada, obrigada pelo pai e pela juíza do caso a manter a gravidez. Me pergunto : e o Estatuto da Criança e do Adolescente? E direito desta futura mulher de decidir sobre o próprio corpo?
Imaginem vocês se nós mulheres decidíssemos sobre os corpos dos homens. Com certeza não aceitariam. E a figura, que teoricamente deveria proteger a filha se põe no papel de seu próprio algoz. Talvez em nome de um dogma religioso ou para dar uma satisfação àqueles de seu convívio. Infelizmente quem teria a função de proteção, para atender as convenções sociais prefere uma filha presa a um destino infeliz e deprimida a ter uma filha livre com sonhos pelo caminho e bem resolvida.
Penso, como mãe de meninos, quais homens deixarei para a sociedade . Estou longe de ser a mãe perfeita, sei de minhas falhas e tento me corrigir. Sou daquelas que briga para que calcem chinelo, para que façam tarefas, arrumem a cama, cuidem da alimentação, não comam guloseimas fora de hora e respeitem as e os colegas. Mas sei comemorar - como numa olimpíada- suas conquistas e sei ser colo.
Os educo para que sejam homens responsáveis e livres, possam correr o mundo, mas se um dia quiserem voltar, serei porto e braços abertos. E que tenham a sabedoria necessária para conviver em um mundo com equidade de gêneros. Se um dia se tornarem pais, e caso suas filhas lhes contarem das dores que eventualmente tiverem no peito, sejam pais de verdade. As acolham e respeitem suas escolhas. Como um verdadeiro pai deve fazer.
Que tenham a sensibilidade dos compositores Ivan Lins e Ronaldo Monteiro de Souza autores de "Deixa eu Dizer", belamente interpretada pela cantora Cláudya no ano de 1973.
"Tem dó...", diga por nós, Cláudya
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