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Entrevista - A Ciranda Ancestral da paraibana Tathy Martins



Cirandeira - atendendo a um chamado de sua ancestralidade cantora e compositora Tathy Martins conta em forma de música sua busca numa viagem do litoral ao sertão
Foto: Erik Pronk

" Com a força da deusa, as guerreiras que correm com os guarás se reúnem em noite de lua para tocar seus tambores e dançar, vem Calunga, descendente livre da ciranda".

Foi atendendo ao chamado de sua ancestralidade que a poetisa, cantora e compositora Tathy Martins deixou o radialismo para se dedicar à sua vocação de artista, e representante da ciranda . Natural de João Pessoa, Paraíba, na infância se encantou pela música de Luiz Gonzaga, que ouvia junto do avô paterno, Pedro, colecionador de vinis. Pelas ondas do rádio ainda, conheceu um universo que a fascinou e conduziu seus estudos para uma formação em rádio e tv pela Universidade Federal da Paraíba. 

Anos mais tarde, com as bençãos de Iemanjá , partiu para o sertão em busca de suas raízes, e desta viagem nasceu o espetáculo Ciranda Ancestral, no qual apresenta, junto do músico e companheiro de vida Erik Pronk,  todo seu repertório autoral, celebrando os sete anos de carreira. Com ele forma o duo Dois Animais, que nasceu em 2022, uma referência à música de Alceu Valença, e coincidência ou obra de um destino já escrito, foi lançada no ano de nascimento do casal.

Além de locutora do programa "Aruanda no Ar" na Rádio Tabajara AM/FM, Tathy produziu no ano de 2010 o documentário Mulheres no Rock, no qual contou histórias de mulheres de bandas femininas e mistas de João Pessoa e Campina Grande. Foi ainda vocalista da banda Mumbaia, e finalista do segundo e sétimo Festival de Música da Paraíba com as músicas "Florescer" (2019) e "Doce de Coco" (2024). Em 2022, lançou com o Duo dois Animais o EP "Cais", com seis canções autorais, e a participação especial de Chico César na faixa "Vem Calunga". Tathy Martins concorre pelo Nordeste ao Prêmio Profissionais da Música nas categorias: Criação -Autora (Letra e Música), Artista de MPB, Cantora e Samba e Convergência com o Videoclipe de Cais. As votações vão até o dia 23 no site ppm.art.br

O Falando em Sol atendeu ao chamado das Calungas e se uniu à Tathy Martins nessa ciranda, e a colocou no centro da roda, como a entrevistada de hoje.

(Tatiana Valente)



F.S- Quais suas primeiras lembranças de música e quando veio a opção pelo radialismo? 

Quando se trata de lembrança, lembro do meu avô paterno, Seu Pedro, como era chamado, ele ouvia muitos vinis e tinha uma coleção, mas o que mais lembro são as músicas de Luiz Gonzaga que ele adorava, marchinhas de carnavais e canções de seresta que meu tio Marcos costumava cantar também, cresci na década de 80, ouvindo rádio de pilha, e o som que ouvia me fascinava, acho que foi daí que me interessei pela rádio, minha formação é em rádio e tv pela Universidade Federal da Paraíba - UFPB, concluí em 2010, e estagiei na rádio local durante dois anos, 2008 e 2009 na rádio Tabajara FM, na época AM, como locutora e colunista do Festival Internacional de Cinema e Audiovisual, o Festival Aruanda aqui da Paraíba.

F.S - Quais cantoras são suas referências. A música nordestina traz a força da mulher que luta contra tantas adversidades. O que você traz do Nordeste para sua música?

 Como referência eu tenho Clara Nunes, Mônica Salmaso, Cátia de França, Mariana Aydar, Ana Paula da Silva, Renata Rosa, Alessandra Leão, Mariene de Castro, Nathalia Bellar, Sandra Belê. O que carrego do Nordeste para a minha música é o empoderamento feminino, a intuição aflorada da mulher nordestina que sente e pressente quais caminhos percorrer e que não desiste dos seus objetivos, o respeito pela minha ancestralidade cultural passada de geração em geração através da oralidade, a coragem e a força da mulher nordestina que sabe e luta pelo o quer dessa vida. 



F.S- Você produziu o documentário Mulheres no Rock. O gênero é tido como ser de grande parte feito por homens. Lembra de alguma história de machismo que as musicistas passaram? 

Na época que produzi o documentário, como projeto de conclusão do curso de rádio e tv, ainda havia muitos tabus da mulher como instrumentista, a maioria sempre tinha o papel apenas como vocalista, entrevistei bandas femininas e mistas ainda ativas como Andada, Bárbara, Blue Sheep, Noskill, Violet de João Pessoa (PB), e Evil Force e Senhoritas de Campina Grande(PB). O que era unanimidade era o fato de ter pouquíssimas mulheres a frente de instrumentos antes considerados masculinos como bateria, baixo e guitarra, e muita coisa mudou nestes 14 anos, principalmente o respeito por ser mulher que toca um instrumento antes masculinizado dentro de um cenário machista da época, as entrevistadas contam suas experiências e o documentário foi considerado inovador na época e trouxe muito aprendizado, como mulher produzindo tudo de forma independente, desde roteiro, captação e edição, e logo depois produzi outro documentário chamado Mafalda Sin falda que foi de um festival independente de bandas femininas e mistas do Brasil, também realizado aqui na capital. Eu gostava muito de viajar e estar neste meio underground, foi uma época muito boa e guardo lembranças inesquecíveis. 



F.S - Como surgiu o duo Dois Animais e a Ciranda Ancestral?

 O duo Dois Animais surgiu do meu encontro com o músico e professor Erik Pronk em Agosto de 2021. A gente se conheceu nas redes sociais, na época ele havia voltado do doutorado em Portugal, estávamos saindo da pandemia e a primeira conexão que tivemos foi com a música, eu mostrei canções minhas já lançadas e ele estava procurando sonoridades que casassem com a viola nordestina, objeto de estudo do doutorado. Poucos meses depois nos casamos e decidimos oficializar o duo no dia 22 de fevereiro de 2022, e o nome tem haver com nosso animal do poder, totem protetor, o meu o lobo e o dele o urso, ambos temos o animal tatuado, e também tem haver com a música de Alceu Valença que é nossa principal referência como duo, a canção Como dois animais que é do ano que a gente nasceu, 1982. Desde nosso encontro já produzimos canções autorais, que foram registrados no meu 1° EP intitulado Cais de 2022 e em videoclipes, que estão disponíveis em diversas plataformas digitais, e além do trabalho de canções autorais, também fazemos releituras de canções de diferentes ritmos e estilos da música popular brasileira. Já realizamos shows em diversos lugares da cidade de João Pessoa desde 2022. No dia 2 de Fevereiro de 2024 lançamos nossa primeira composição juntos e 1° single do duo, a canção na Beira do Mar, em homenagem a mãe e rainha do mar, Iemanjá e em comemoração aos 2 anos do duo. E recentemente, no dia 29 de novembro, apresentamos o Espetáculo Ciranda Ancestral com canções autorais de minha autoria, e do duo, além de releituras da música popular brasileira na sala Wladimir Carvalho da Usina Cultural Energisa, foi uma produção independente do duo que contou com participação de convidados e com direção musical de Léo Meira. Continuamos produzindo novas músicas e arranjos, que podem ser conferidos nas redes sociais do @doisanimaisoficial Já a Ciranda Ancestral é uma canção que compus em homenagem a minha avó, lançado em 2021, e Erik fez um novo arranjo belíssimo só com a viola, e decidimos fazer esta releitura com a sonoridade mais nordestina, raiz e que remete a minha ancestralidade, daí que veio a ideia de fazer o espetáculo com canções destes 7 anos de carreira e contando através das canções, a viagem do litoral ao sertão, a saída do litoral com as bençãos de mãe Iemanjá, que sou filha, a busca pelas minha raízes, o encontro com minha ancestralidade, a volta e o nosso encontro no litoral e nossa caminhada juntos pelos ritmos nordestinos, ciranda, coco, xote, maracatu e a celebração com os nossos amigos nessa ciranda de ritmos, histórias, cores, sabores e aromas, e cada canção é uma história que se conecta com a outra como uma colcha de retalhos, passado, presente e futuro girando na dança da vida. Agora é botar a Ciranda para rodar e estamos planejando o álbum com canções que foram apresentadas no espetáculo, releituras e canções inéditas para o próximo ano.



F.S - Qual a importância de ser indicada no Prêmio Profissionais da Música? 

A primeira palavra é reconhecimento e empoderamento sempre, ser artista mulher na cena autoral aqui ainda é muito difícil. Na verdade todo artista independente passa por isso, é a valorização do seu trabalho, do que faz sentido e te move nesta vida. Ser indicada é uma consequência positiva do que é seguir pelo caminho que me inspira, a música pra mim é libertação, cura, empoderamento mais uma vez, conexão interior e auto cuidado, amor, paixão, raiva, tudo se coloca na música como um portal que criamos para nós e para as pessoas que se conectam com ela, é inspiração e ser a inspiração, criar algo que te faz chorar de felicidade, amor próprio, é um legado repleto de sentimentos e histórias, encantamento e que transborda a poesia do meu ser. E pra finalizar eu deixo só mais umas palavrinhas mágicas: Seja sua maior fã e inspiração.



Comentários

  1. Gratidão Tati!🙏🏼🌹Pelo convite para falar sobre minha arte de vida, entrevista maravilhosa que me fez recordar os caminhos que trilhei até chegar aqui, fique muito feliz! Um Xêro no coração 😘❤️

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