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Entrevista: Lelo Mello e os 20 anos de Band It!




Fotos: arquivo Lelo Mello

" Meu sonho sempre foi tocar num conjunto. De pop, samba, balanço e soul ( rock and roll). Falar bobagem sobre qualquer assunto e fazer música como quem marca um gol..."

Assim diz Boca a Boca de Lulu Santos, uma canção lançada no álbum Anticiclone Tropical que conta em forma de música  os desafios que os músicos enfrentam ao decidir formar uma banda: a formação do público, as críticas, a dureza das estradas ( sim porque nós os vemos iluminados no palco porém a realidade é bem diferente). Fora os desafios financeiros : os custos de uma apresentação são altos e o dinheiro recebido em um show é dividido entre todos os profissionais envolvidos (muitas vezes mais de 30/40 pessoas).

Completar 20 anos de banda é motivo suficiente pra se comemorar. E muito. Ainda mais de uma banda que conheço desde o início. No começo dos anos 2000, em Mogi das Cruzes era comum procurar saber onde estaria a Band It! para que pudéssemos prestigiar e eles marcaram muitos momentos felizes de nossa juventude, na grande maioria no Buxixo, uma bar que celebraria também 20 anos de existência. Mas a pandemia fez com que tivessem de encerrar as atividades para a tristeza dos mogianos.

Era a nossa felicidade, acompanhar de perto músicos que conhecíamos e marcar presença no bar - os amigos se encontravam lá para curtir a banda. Quando eu via os músicos tão envolvidos nas apresentações me lembrava da música do Lulu, e tenho a certeza que quem cantava um dia sonhou em  ser uma das vocalistas da Band It! tamanho astral que promoviam pela música.

Para lembrar desses 20 anos de carreira conversei com o fundador da banda:  Lelo Mello. Garanto que será uma viagem no tempo.

(Tatiana Valente)



F. S - Como nasceu a Band It! ?

A Band It na realidade é uma continuação a banda Os Caras . Em 98 entrei para Os Karass : Felipe Taz, Eduardo Sans e Milton Calazans, eles eram uma banda de pop/ rock da cidade. Eu nunca tinha feito parte de banda pop, sempre fiz parte de banda de samba, eu vim do samba .

Até que no final de 2000 a gente parou, tinham algumas brigas e ficamos o Felipe e eu. Cheguei nele e falei : temos de continuar um projeto, a gente já criou um público, em 2000 as bandas estavam "pegando" . Tinha os acústicos da MTV e nós chamamos o Alexandre Harano pra tocar guitarra e cantar e o Manoel Neto para tocar teclado. Começamos nós quatro, no dia 8 de julho de 2001.

E Band It ! a gente não sabia que nome colocar. Os Caras não dava mais, porque já estávamos todos velhos. E a gente procurou um publicitário,  o Flavinho Forin. A gente falou que era uma banda para tocar nos bares, e aí, uma semana depois ele me ligou e disse está aí. E me mandou o logo escrito Band It", ainda perguntei "é o cachorro do J.Quest?"

Ele me respondeu: " não é isso". Em 99/2000 a Nike lançou o" Just do It", que quer dizer pratique (simplesmente faça) aí ele bolou isso Band it!, pratique a banda, curta a banda, ou Banda Um em japonês. A gente tocava no Indiana ( bar de Mogi) em outubro o Renatinho  Renato Nogueira) abriu o Buxixo e "caímos" pra lá. E assim foi a vida toda. 

F.F- Qual foi a primeira formação da banda? Quais músicos passaram por ela?

A primeira formação da banda foi Alexandre Harano, Felipe Taz, Manoel Neto e eu. Depois disso já passamos por muitas transformações. A Band It! foi uma banda de pop / rock até 2004 ou 2005, a gente sempre tocou de tudo. A aí começaram a surgir bailes, casamentos, formaturas, foi daí que a banda começou a mudar um pouco o rumo dela, a história dela. E nessa de mudar a história já passaram mais de 50 músicos pela banda, foi muita gente, passou muita gente pela Band It!




F.S- A banda tocava pop, rock, MPB, axé, era para todos os gostos musicais. Como era feita a escolha de repertório?

O repertório sempre foi uma responsabilidade minha na banda, para todos os eventos. por ser mais velho por ter mais vivência na música sempre fui eu, vivia antenado.

 Na época em que agente tocava em bar tinha de ficar atento no que tocava na rádio, nos hits, nas bandas que viravam sucesso. A gente sempre tentava fazer. E para bailes e eventos fazíamos o que geralmente as bandas de baile fazem.




F.S- Você tem uma média de quantas apresentações a Band It! fez ao longo destes anos?

É muita história. São mais de 1500 shows.  Desses, mais de 400 são casamentos, umas 200 e poucas formaturas, 300 festas de empresas, maioria é bar. A gente até os anos 2013/14 na época do nosso DVD a fazia mais de 100 shows por ano, então era uma coisa de louco. 

Chegamos a fazer 120 shows num ano. Aí caiu muito depois da crise de 2014, para 80/60 shows. Teve um ano complicadíssimo com a queda da Dilma, fomos para 40 shows, foi um negócio muito fraco, muito ruim. 




F.S- Qual foi a apresentação mais marcante para vocês?

Todo início de projeto, toda coisa grande que a gente faz é marcante. Eu me lembro da época das aberturas de shows que a gente fazia para a AR produções. A gente abriu show do Jota Quest no Mogi Shopping para 10.000 pessoas, abriu Chiclete com Banana na faculdade de São José dos Campos, para uma média de 25/30 mil pessoas, são coisas que a gente faz e ficam marcantes.

 Como hoje a gente lida mais com casamento e empresa todo casamento tem um carinho legal, uma história legal, ainda mais quando os noivos querem muito a gente. 

Teve uma vez que a gente ganhou uma licitação e pegou 7 shows no interior de todas as festas de confraternização da TV TEM (afiliada da Rede Globo). Ficamos 12 dias fora, fizemos shows em Bauru, Itapetininga, Botucatu, São José do Rio Preto, Ribeirão Preto.

"Nossa Senhora", a gente andou demais. Isso foi muito legal para a banda, 12 dias na estrada viajando. Tem muita história boa.




F.S- Ano passado os bares fecharam.  Como foi para vocês?

O fechamento dos bares prejudica mais os músicos da banda que trabalham nos bares quando não estão tocando em festas, em hotel, em casamento. Para a Band It! não fez muita diferença porque a gente só tocava no Buxixo e não tocava mais em outros bares.

 Nos outros bares era difícil comportar a Band It!. Atender as exigências de sonorização da banda, ter palco suficiente, por mais que eu levasse uma versão "pocket", somos em 14 músicos: tem sopro, percussão, 4 cantores, teclado, guitarra, "batera", aí tenho de fazer a versão "pocket" no Buxixo só de rock and roll ou de carnaval fora de época. Mas fora isso parei com bar há muito tempo, só quando tem uma inauguração em versão "pocket" com dois, três músicos. 

F.S- Qual a maior dificuldade que os músicos enfrentam no país atualmente?

Essa é uma questão bem polêmica pra mim, é difícil  ser músico da antiga e saber administrar isso. O maior desafio do músico hoje é o próprio músico. Sem contar egos, sem contar em muitas coisas que atrapalham. Sou da época que para ser músico você tinha de estudar, tinha que trabalhar, batalhar muito para ter um instrumento. 

Hoje é tudo muito fácil. Antigamente tinha de trabalhar muito para ter mídia, para aparecer, entrar nos lugares. Agora qualquer um entra por causa da Internet, das Redes Sociais. Para se pensar que éramos músicos importantes, famosos, tínhamos de ao menos ter uma história, ter muito trabalho, currículo e muita indicação. 

Qualquer pessoa vira músico em 2 minutos porque esses caras não estudam o que a gente precisou estudar, perde um pouco a qualidade, está tudo muito igual. Se a gente coloca agora uma foto da Band It! ou um vídeo na Internet, daqui 2 minutos um cara vai lá, grava um vídeo igual tocando violão e uma bateria eletrônica e coloca do lado, ao lado  aproveitando o nicho e hoje a Internet liga as coisas.  Se eu gravar uma música do Maroon 5, outra pessoa grava uma música do mesmo grupo e manda- além da banda original- ficamos os 3 na mesma aparição.

 Estamos iguais aos músicos que somos fãs, que são nossas referências. A gente tinha uma referência (minhas referências) Cartola, Vinícius, Toquinho, Supertramp, Tears for Fears e hoje a molecada tem como referência o amigo que está na Internet fazendo sucesso, não é gente que teve uma história, são pessoas que surgem do nada. 

 F.S- O que a sociedade pode fazer para representar vocês músicos ? Sofreram muito preconceito nesses anos?

Não falta dos outros da sociedade, falta do músico, muito pouco de fora. Porque quem mostra, aprendi isso na vida- o direito de ser ajudado, privilegiado são aqueles que estão preparados é uma duração muito pequena de sucesso, de qualidade.

 Minha banda sempre foi muito criticada em Mogi por várias tribos por medirem onde estou tocando : "banda fresca", "de riquinho", de direitos que  adquiri. Tinha uma época na cidade  que músico legal só tocava no Baratotal. Quem tocava fora era músico "estrelinha" e a  estrela não era digna. Aí vieram as vertentes/ ritmos, gêneros, a banda toca de tudo desde Micareta pra molecada, daí era vista como sem personalidade, cada hora toca uma coisa. A gente é muito martelado por isso acho que essa obrigação de alguém me ajudar- governo, prefeitura não existe- acho que quem tem de adquirir essa ajuda sou eu, ela vem naturalmente. 

A vida inteira me preocupei muito com a concorrência, com outras banda , e as pessoas (são muito difíceis de lidar) é muita conveniência. Não tem amizade, parceria, aprendi muito isso até com os músicos que trouxe para a banda. Então a preocupação com a concorrência e era a maior besteira: seu maior concorrente é você mesmo.

 Enquanto está parado no tempo pensando no que os outros estão fazendo você está deixando de produzir algo e a maior preocupação que a gente tem de ter é com o público. Se você olhar nosso repertório tem Michael Bublé, Frank Sinatra, tem de tudo. Hoje você faz um baile na quinta música a pessoa vem pedir funk, existe um problema cultural no público. 

Meu maior desafio na Band It! é achar meu público, quem curte o nosso repertório. Meu foco é o público, pra quem está dentro não é igual de quem está de fora. Existe outra visão e é muito diferente nossa expectativa: não espero nada de ninguém quero encontrar meu público, e fugir destes músicos aventureiros, e das dificuldades com os donos de bar. É difícil lidar com os donos dos bares. Tem de levar som, tem de depender de cachê, se não vira o cachê depende de portaria, quando vai ver entrou muita gente e não pagou, são amigos do dono.



F.S-  Vocês fizeram inúmeros shows no Buxixo em Mogi das Cruzes. Como receberam a notícia do encerramento das atividades após 20 anos?

Uma das coisas que mais me tocou com o encerramento das atividades no Buxixo foi porque comecei  junto com o Renato. Nos ajudamos muito no começo, a gente sonhava em ir junto, fazer a festa de 20 anos  como temos feito nos últimos anos e isso foi muito triste, tanto que fiz um texto no Facebook do Buxixo e a partir deste texto muita gente começou a falar e  não sabia. Foi um impacto muito grande: uma vez por mês a Band It! estava lá, era um público muito diferente que o Renato gostava, era um público mais velho, antigo do bar então pra mim foi muito difícil fechar o Buxixo e até hoje está sendo.





F.S- Que balanço você faz da história da Band it?

Sempre tive uma vida profissional tanto que estou para aposentar e a música foi uma atividade paralela e a Band It! começou a ser um paralelo que não era só uma coisa que eu gostava de fazer começou a virar rentável, virar empresa, vida profissional. A gente já chegou a ter em um evento 32/36 pessoas envolvidas com a gente.

 Desde som, iluminação, palco, roadie, painel de led, DJ, camarim, camareira : então a responsabilidade que tem pelas famílias e tudo mais  vira algo muito legal, gostosa,uma sensação de realização. Me ajudou muito  também porque fiquei um tempo de minha vida desempregado de 2004 a 2005/2009, e a banda me sustentou, sustentou a pensão dos meus filhos e eu via que as pessoas que estavam envolvidas nessa época em que tocávamos muito  compravam carros, pagarvam escola de filhos, viajavam com a família tudo por causa da banda.

 Quando falamos 1.500 apresentações não imaginamos a dimensão que isso tudo pode causar porque a Band it! "pocket" hoje tem um custo de R$ 5.000,00 . A formação completa com tudo custa cerca de R$22.000 que são distribuídos entre muita gente . 

O balanço que faço da banda é muito legal: poder fazer mais de 400 casamentos," poxa" tocou a trilha sonora de mais de 400 casais, realizou festas, felicidade  para público de mais de 1500 shows e poder fazer isso é muito bacana. É difícil. Somos de uma geração na qual éramos cobrados muito para uma realização profissional de ser médico, advogado, e falar que a realização era ser músico - o que é uma banda perante a sociedade? Essa é a visão que as pessoas têm. Mas eu me sinto muito realizado por tudo que fiz, e orgulhoso por tudo isso.

F.S-  Quais os projetos para este ano?

Ano passado perdemos 16 eventos, desses  6 vieram para este ano, ao total teríamos 60. Dez não falaram mais nada então já tenho 6 eventos nesse ano a partir de abril. Basta saber se vai manter por causa da pandemia. Mas tenho projetos para o aniversário da banda, um deles é fazer uma apresentação com todos os cantores que passaram por ela e fazer uma apresentação com a Orquestra Sinfônica de Mogi com o maestro Lélis , a gente já está vendo isso, a data é 8 de julho, dia do aniversário da Band It!

 Só estou esperando a confirmação dele para ver onde vai fazer a apresentação. Já montei o repertório, e quero fazer ou um baile, um jantar, um coquetel ou um show. Estou junto com o Fred da Yes, a Suzana Zobaran da Be Eventos para desenvolver isso. Tem o jantar do dia dos namorados da banda. O resto é esperar o que vai acontecer. Essa pandemia me trouxe uma realidade diferente, porque depois que a banda cresceu parei de tocar, virei empresário dela, fiquei perdido. Cada um tem um projeto que faz parte da Band it! .

Então quando se precisa tocar todo mundo aparece e toca, não é uma banda que convive diariamente, não tem ensaio. Como são todos profissionais na banda monto o repertório  e o pessoal baixa a partitura para se apresentar - parei com a parceria que tínhamos antigamente ( com as outras versões da banda). Quero montar uma formação da banda onde eu faça parte estou pensando no meu filho, um grande músico- colocar ele comigo e mais um ou dois caras e fazer um quarteto Band It! raiz, para que eu faça parte. quero ter uma Band it! pra mim, transformar em Band it! Produções e dentro dela ter várias versões "pockets" da banda.Numa uma delas eu tocando, e é isso!

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