Promover um encontro do rock com ritmos do norte e do nordeste brasileiro . Promover um intercâmbio cultural de modo a buscar termos regionais e trazer ainda elementos de outros países para sua música. Esta é a proposta do produtor, compositor e jornalista Assis Medeiros.
Natural do Recife ainda pequeno se mudou para João Pessoa onde foi criado e teve seus primeiros contatos com a música: ouvindo de Roberto Carlos ao saxofonista pernambucano e seu conterrâneo Ivanildo Sax de Ouro. Ainda na adolescência começou a se apresentar na noite paraibana e ali teve sua escola: o repertório ia do bom e velho rock and roll passando pelo jazz e pela MPB.
Mas mesmo com essas referências Assis prima por trazer para seus trabalhos suas raízes e o que ouviu pelos lugares onde viveu : ao longo de sua carreira já lançou cinco álbuns, todos eles com uma mistura deliciosa de ritmos como o baião, o rock, o carimbó e o reggae.
Um deles é o emocionante "Sertão do Meu Amor", trilha original de um documentário produzido para a TV Senado que faz uma bela junção de áudios captados pela equipe de reportagem com música. Além desta, Medeiros tem outras trilhas produzidas para o cinema e o teatro.
Hoje lançou nas plataformas digitais e em seu canal no Youtube o single" LUANDA " que propõe uma mistura do Semba (ritmo africano parecido com a nossa umbigada) com o baião e o carimbó. A letra do poeta maranhense Celso Borges (parceiro de Zeca Baleiro, Chico César) traz palavras e gírias angolanas tendo com pano de fundo os desenhos feitos pelas acrobacias dos aviões do esquadrão da fumaça, lembrança de infância do letrista.
"Luanda "conta ainda com a participação mais que especial da jovem e promissora cantora Flora Lago que com muita graça divide os vocais com Assis.
Convido vocês para entrar comigo no riquíssimo sertão do músico Assis Medeiros.
(Tatiana Valente)
FS-Como e quando se interessou por música? Quais suas lembranças musicais na infância e na adolescência?
Eu comecei a tocar violão e a compor com 15 anos, mas meu amor e interesse por música vem desde a infância. Eu vivia grudado da vitrola ouvindo todos os discos do Roberto Carlos, Luiz Gonzaga e Ivanildo Sax de Ouro (saxofonista muito conhecido no Nordeste na década de 80). A minha mãe adorava o Ivanildo e até hoje eu guardo os discos de vinil dele (devo ter uns 12 LPs). Na adolescência vieram outras influências, principalmente o rock e a MPB e depois o jazz.
FS -Em que momento decidiu ser músico?
Olha, pra ser sincero, eu nasci músico (rs). Eu sempre digo que a arte não é uma profissão é um ofício. Ela pode até ser seu sustento e profissão, mas não é isso que define sua relação coma arte, com a música. No meu caso sempre foi um ofício. Eu acredito que já nasci compositor. Com o tempo e dedicação fui aprimorando, mas é algo tão forte na minha vida que faz parte da minha personalidade. Mas com 15 anos eu resolvi que seria músico. Eu comecei a tocar em bares de João Pessoa (PB) com apenas 16 anos. Tocava violão e cantava. Aí já viu: tinha rock clássico e muita MPB. Foram oito anos de bar (rs).
FS-Suas referências vão do rock clássico à Roberto Carlos e a MPB. Para você o músico deve ser eclético ou aberto a conhecer estilos diversos?
Sim. Acredito que a maior escola de um músico é ter o sentimento aberto para apreciar uma grande variedade de estilos. A gente aprende muito. Minhas inspirações são muitas. Neste momento vou escrever as que primeiro chegarem à minha cabeça: Bach, Chiquinha Gonzaga, dona Ivone Lara, Luiz Gonzaga, Pixinguinha, Pink Floyd, Caetano Veloso…. Há, ainda, os estilos brasileiros. Sou apaixonado por eles. O baião, o samba, o choro, o frevo, o jazz….
Eu sou muito eclético. Por exemplo, vou lançar ainda este ano um disco novo com dez faixas. O disco está pronto e se chama Cipó com serpente. É um disco que fiz sozinho com violões, guitarra e voz.
E, veja, já estou aprontando, para o início do próximo ano, um EP de forró pé de serra, com cinco músicas. São coisas completamente diferente mas que pra mim não é um problema.
FS-Suas músicas têm a presença marcante de expressões tanto do Norte como do Nordeste. Em Luanda traz inclusive termos africanos. Qual a importância de se trazer para o público elementos de culturas regionais?
Eu tenho um disco chamado Baiãozinho Nuar. É um disco duplo. Baizãozinho é um disco de baião com instrumentos de orquestra. Tem de tudo. Viola caipira, quarteto de cordas, naipes de sopros, percussão… E o outro disco, o Nuar, é um trio de rock, mas que também usa os artifícios dos ritmos regionais do Nordeste. O baião hoje pode ser considerado um ritmo brasileiro de grande abrangência, como o samba. Chico Buarque compõe baião. Mas eu trago isso em mim mesmo. Quando eu fui morar em São Luís (MA) em 1994, a primeira coisa que eu fiz foi cair na capoeira e na oficina de tambor de crioula do Laborarte (um lugar de referência e muita importância para a cultura maranhense). Esse Brasil, na maioria das vezes, menos oficial, tem um encantamento pra mim. Um Brasil mais raiz. Um Brasil que não tem vergonha dele mesmo, sabe! Pelo contrário, tem orgulho. Este país é muito rico em todo tipo de manifestação artística popular. Não é só a música, né! Na literatura, dança, artes visuais, arquitetura….Olha eu aqui falando tão bem do Brasil. Lembrando que a gente tem uma riqueza artística maravilhosa. Mesmo diante desse pesadelo que nos atormenta. Refiro-me a este infeliz momento político pelo qual passamos. Mas vai passar…Como diria Chico Buarque, amanhã vai ser outro dia.
FS-Como a música pode unir a modernidade com as tradições culturais? Qual a relevância da divulgação destas tradições culturais e variações linguísticas para o resgate e manutenção dos elementos folclóricos?
A música pode ter esse poder (rs). Talvez os elementos folclóricos, hoje, possam ser vistos de uma forma mais ampla. Acredito que a maioria das tradições populares tem força de se manter, mesmo que seja em pequenos nichos.
No caso da canção Luanda, meu parceiro, o poeta Celso Borges, conseguiu imprimir uma conexão de duas línguas que são as mesmas, o português. Olha que ironia, existe naturalmente uma conexão, que é a língua. A letra traz palavras e gírias angolanas, como camba (camarada), kabomba (polícia), baldar (mentir), mujimbo (boato), cumbú (dinheiro), boda (festa), bina (bicicleta) e bazeza (palerma). E no caso da música, também, temos muita afinidade. Eles têm um tipo de música chamado Semba, que se parece mais com o carimbó nosso. rsss. Na música Luanda a gente fala do semba também. É bom cantar uma música que mistura dois tipos de português. É divertido. Tudo isso com uma proposta de sonoridade pop.
FS-Como é para você o processo de composição? O olhar de jornalista facilita na hora de compor?
Talvez, hoje, o olhar do jornalista ajude (rs). Mas a composição nasceu bem antes. Quando eu peguei num violão, pela primeira vez, eu já estava compondo. Eu sempre digo que sou eminentemente um compositor. Eu me dediquei à produção musical e aos instrumentos para realizar a composição. No caso de Luanda, eu produzi, gravei e mixei a música aqui no meu estúdio em Brasília, o PontoSemNó. Produzo por uma questão de necessidade. Toco vários instrumentos, mas não me considero multi-instrumentista porque eu toco um pouquinho de cada, sabe! Toco pra resolver minhas necessidades (rs).
FS-Você já fez trilhas para documentários, para cinema e teatro. Como se inspira?
Gosto muito de compor e produzir trilhas originais. É um trabalho solitário, mas muito prazeroso. Eu comecei a lançar algumas trilhas que eu produzi. A primeira já está disponível em todas as plataformas e no meu canal do YouTube . Chama-se Sertão do meu amor.
São oito faixas e foi feito pra um documentário da TV Senado sobre a seca no Nordeste. É um trabalho de 2001, mas só agora lançado. Os músicos são: Assis Medeiros (Viola de 10 cordas, violão e voz); Chiquinho Mino (zabumba, moringas e pratos); Xisto Medeiros (baixo elétrico) e Marcelo Macedo (guitarra e programações). Vou lançar mais uma logo logo. Chama-se Um pouco de dois, foi feita pra um curta metragem. gosto muito deste trabalho. Já já vai estar disponível.
FS-Como analisa o atual cenário da música?
Muita coisa boa e muita coisa ruim sendo produzida. A facilidade de produção musical hoje transformou a música em um campo muito amplo e difícil de ser analisado(rs). Muitos lançamentos…a gente não consegue acompanhar. Mas, no geral, acho que essa diversidade e quantidade é boa e saudável.
FS-A jovem cantora Flora Lago participa de Luanda, seu novo EP. Como foi a escolha por Flora? Qual a importância da participação das mulheres na música brasileira?
Eu vou ser obrigado a confessar que a Flora Lago é minha filha. Eu estava tentando esconder, mas não vai dar. (rs)
Ela começou se chegando, tocando violão, ukulele, cantando bonito…aí eu caí na lábia dela. (rs)
Agora, a participação das mulheres na música é fundamental. Antigamente elas eram, na maioria das vezes, as intérpretes. Hoje não. Temos grandes compositoras, instrumentistas e maestrinas. Acredito que a tendência é uma ocupação ainda maior nos próximos anos.
FS- Viver de arte no Brasil é um desafio. Para você como músico qual o maior obstáculo?
Não só como músico. A arte, muitas vezes, sofre de uma certa discriminação. Não é só aqui no Brasil não. É um sentimento que permeia a cabeça pequena de muita gente. Eu pulei todos os obstáculos que apareceram e estou disposto a saltar mais outros 100 que possam aparecer. (rs)
FS- O que move sua arte?
O prazer que eu sinto quando ouço uma melodia nova que sai voando da minha cabeça e ganha o mundo. A sensação boa de criar, de colocar pra fora algo que não existia um minuto atrás.
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