Pular para o conteúdo principal

Entrevista: Uma volta ao mundo nas paisagens sonoras de Jefferson Gonçalves

    


Paisagens Sonoras- mistura de ritmos e de culturas faz da gaita de Jefferson Gonçalves uma janela para o mundo
Foto: Juliana Longuinho

                  

 Em fração de segundos ir de Chicago ao sertão nordestino embalada por um "Baião Pifado". Ou do alto das montanhas americanas chegar na música mineira do Clube da Esquina lembrando que " Nada será Como Antes". Mais longe ainda: do Senegal para o Rio e parar na cidade de Cruzeiro, no fundo do Vale do Paraíba em São Paulo.  Mas isso é possível em um só dia?

Sim. Se tratando da gaita de Jefferson Gonçalves tudo é possível. O músico nascido em 1970 no bairro da Tijuca no Rio de Janeiro traz em sua arte a mistura musical que lhe foi escola desde a infância quando teve como primeiros professores os irmãos mais velhos que lhe apresentaram  o rock, a MPB e o blues, ritmo que abraçou na juventude e que o levou no começo dos anos 90 a formar a banda "Baseado em Blues". Com ela teve a oportunidade de abrir o show de Celso Blues Boy que se tornou além de mestre, um grande amigo. 

Ainda nessa década foi apontado como revelação da nova geração de artistas  pelas revistas americanas "American Harmonica Newsletter" e  em 2000 pela "Big City Blues Magazine". Segundo o jornal argentino El Clarín é um dos cinco melhores gaitistas do mundo, título que o músico brinca ter sido apenas a impressão do jornalista que lhe conferiu a homenagem. Nos  álbuns lançados por ele e nos singles - disponíveis em todas as plataformas de streming- é evidente como Jefferson faz com perfeição a mistura de ritmos e culturas  e num passe de mágica promove múltiplas impressões e belíssimas paisagens sonoras para quem ouve.

Atualmente vive em Cumuruxatiba na Bahia de onde conduz o curso virtual Masterizando o Improviso no qual ensina a arte de se tocar gaita para pessoas de todos os cantos do mundo e produz seus novos trabalhos. Em setembro lançou  "Up to the Mountain" em parceria com o Bitencourt Duo (de Cruzeiro-SP) e com o cantor norte-americano Caleb Paul e promete ainda para esse ano muitas outras viagens musicais para seus fãs.

É ele quem dá o tom da entrevista de hoje. Com vocês, Jefferson Gonçalves.

F.S- Quando surgiu seu interesse pela música? Quais eram suas referências?

Sempre gostei de música, minha casa apesar de não ter nenhum músico na família, sempre foi uma casa em  que se ouvia muita música, meus irmãos, todos mais velhos que eu gostavam de Rock, MPB, Blues, etc, fui criado escutando muita música. Comecei a tocar gaita com 20 anos, queria tocar folk estilo Neil Young, Bob Dylan, The Lovin' Spoonful, etc...

F.S-  E a gaita como começou a tocar? Teve algum gaitista que te inspirou?

 Com 20 anos ganhei uma gaita de um amigo e resolvi aprender, tive aulas de gaita cromática com um senhor, considero ele meu Mestre, pois foi com ele que comecei a conhecer o instrumento e a tocar as primeiras melodias, o nome dele é Sebastião Dornellas .Depois fui ter aulas de gaita diatônica com Flávio Guimarães, ele ensinou o que era tocar Blues e as técnicas da diatônica.  Paralelamente eu tive aulas com Zé da Gaita, com ele aprendi a tocar com banda, ele me convidava sempre para dar canjas em seus shows e foi ele o responsável pela minha primeira banda, Baseado em Blues, foi o Zé que disse: "Garoto, monta uma banda e abre meu show!" e assim comecei a tocar profissionalmente em 1992 com 22 anos.

F.S - Pra você qual a importância de Celso Blues Boy pra o blues brasileiro?

Assim que comecei a tocar - além do Baseado em Blues- eu participava de várias bandas no Rio, entre elas: Suburbues, e numa noite no Circo Voador abrindo o show do Celso Blues Boy fui convidado por ele  para uma participação, foi um show especial, comemoração de 10 anos de Circo Voador, desde então minha amizade com o Celso firmou, éramos amigos, Celso sempre foi um cara difícil, mas tínhamos uma amizade muito boa e ele me respeitava e gostava muito disso. Celso foi um cara que me ensinou muitas coisas e tocar com ele era incrível, fizemos grandes duelos de gaita e guitarra. Celso é e será sempre uma referência na música, não só no Blues.

F.S-  Da atualidade quais bandas de blues te chamam atenção?

 Tem muita gente boa, hoje as bandas novas sabem o que é Blues, diferente da década de 90, época que comecei, nessa época era Blues/rock, hoje tem gente espalhada pelo Brasil fazendo um som de alto nível, fica complicado citar nomes, pois sei que vou esquecer muitos, mas no momento os que vieram na minha mente são: The Headcutters (SC);  Back'2Blues (RJ); Eric Assmar (BA); Nanda Moura (RJ/CE); Pedro Friedrich (RJ); Marcelo Naves (SP);  tem muita gente!!!!

F.S - Alguns representantes do blues autoral encontram muita resistência por parte dos donos de bares para agendar apresentações. Qual a importância dos Festivais para a divulgação da música autoral?

Olha eu não sei disso não, os festivais estão acontecendo e eu toco muita música autoral, inclusive instrumental, agora, tocar em Bar, isso nunca deu visibilidade. O que eu acho é que os músicos devem saber conduzir suas carreiras, saber se divulgar, trabalhar mídias sociais, ter um contato direto com seu público e procurar contatos com os produtores. Esperar a caixa de e-mail encher de convites ou receber mensagens pelo whatsapp não é o certo, eu trabalho por que estou sempre me recriando, mostrando coisas novas e principalmente sendo profissional. Hoje o músico além de tocar tem que saber tudo isso que falei acima e também cuidar da parte jurídica, emissão de NF, MEI, etc.. Muitos não sabem e não querem aprender, preferem arrumar um produtor que na sua maioria não faz nada. Eu sou meu produtor, faço tudo isso e por isso estou trabalhando. As vezes fico sem estudar como eu queria, mas quando faço tenho foco e por isso consigo me manter. Tudo isso que falei é a minha realidade, não posso dizer que é a VERDADE, mas foi assim e esta sendo assim há 32 anos de carreira.

F.S- Seu trabalho tem influência direta do regionalismo brasileiro. Como você compõe? Faz um trabalho de pesquisa? Como funciona essa mistura da música negra norte-americana com a brasileira?

 Pesquiso muito e escuto muito, essa mistura não veio por que PENSEI em fazer e sim por que escuto muito vários tipos de música e naturalmente isso vai sendo incorporado ao meu som, eu acho que a música é livre, nunca coloquei barreiras de estilo ou formações de banda, gosto de tocar com vários músicos e com isso eu aprendo muito. Somos uma esponja, absorvemos tudo o que escutamos, ou seja, se vc não se PRIVAR de escutar e conhecer novos caminhos, novas ideias, isso vai ser refletido no seu modo de tocar. Aprendo muito escutando e sendo curioso, a minha curiosidade em saber como se faz, como se toca, abre leques de sonoridades e ideias melódicas na minha gaita.

F.S- Você lançou "A caminho de Cruzeiro" ( cidade aqui do Vale do Paraíba em SP) esse ano. Como surgiu a inspiração?

 Essa música, como tantas outras, veio na minha mente exatamente no momento que estava no ônibus a caminho de Cruzeiro para ensaiar com o Bitencourt Duo. A melodia veio, fiquei cantando ela mentalmente e mostrei para o Luciano Bitencourt que na mesma hora harmonizou e começamos o trabalho de arranjo, isso é muito bom, gosto disso, de chegar com uma ideia e TODOS trabalharem em cima até chegar no produto final, tenho sorte de tocar com músicos que pensam como eu, colocam a música acima da técnica, minha preocupação é com a melodia e com os climas, texturas e grooves que a melodia vai levando a gente a compor.

F.S- Como você vê o atual mercado da música? Como é tua relação com os streamings?  

Em relação a shows ao vivo, continuo trabalhando muito bem, graças a Deus, não posso reclamar, só agradeço. Mas em relação ao mercado da música digital, isso ainda é muito estranho, a renda de streamings é muito pequena, comparada com CD,LP,DVD, tive todas essas mídias e vendia muito nos shows, era uma renda muito boa e isso acabou, mas acho que estou fazendo o que acho certo, estou gravando e jogando minha música para o mundo, isso já esta tendo resultado, o próprio Spotify fez uma playlist com minhas músicas, meus acessos são bons, dentro de uma realidade de músico 100% independente. O que acho é que devemos nos adaptar e tentar aprender com essas novas formas de música, não da para reclamar que no passado era melhor, o lance é aprender como chegar junto desse novo mercado e assim manter sua carreira "devagar e sempre".

F.S-  Como nasceu o Curso Masterizando o Improviso?  Todo mundo consegue tocar gaita?

 Já dou aulas desde a década de 90, gravei cursos em VHS e DVD, dei aulas para muita gente que hoje toca profissionalmente e diz que aprendeu escutando os Mestres Sonny Boy e Little Walter, que é autodidata, não ligo para isso, mas eu tenho orgulho de citar todos os meus mestres e não foram poucos, tive aulas com José Staneck, Norton Bufallo, Ulysses Cazallas, Peter Madcat Ruth e na pandemia peguei várias dicas com Otavio Castro, Pablo Fagundes, Vitor Lopes, isso não é vergonha e sim é conhecimento,  trocar uma ideia com músicos que admiro, que tenho respeito é um prazer e um aprendizado, independente se ele toca a mais ou menos tempo que eu, aprendo até com alunos! Com essa bagagem de informações eu montei minha didática e mostro como eu vejo o instrumento e como acho que devo tocar, desse modo eu resolvi montar o curso Masterizando o Improviso, isso foi feito antes da pandemia e deu super certo, hoje tenho centenas de alunos espalhados pelo Brasil e pelo mundo e para minha alegria, a maioria esta tocando e conhecendo o instrumento. Aprender aprende, mas o aluno tem que praticar e o diferencial do meu curso é esse, dou um suporte didático 24 horas por dia, corrijo, gravo vídeos mostrando como acertar o som e melhorar a tocabilidade, fico feliz que isso esta dando muito certo e sempre que posso, mostro meus alunos tocando nas redes sociais, eu vibro demais com isso, eu gosto de dar aula.

F.S- Desses anos de estrada teve algum episódio que te marcou? Qual foi?

 Atualmente tenho 32 anos de carreira, tenho vários momentos que lembro com alegria, muitos foram especiais, fui 3 vezes para o Senegal e gravei com um cantor Senegales Hampaté., conhecer meus ídolos da gaita quando tinha apenas 28 anos de idade, gravar e excursionar com Norton Buffalo, Peter Madcat, Laudir de Oliveira, Robertinho Silva, Arthur Maia, Carlos Malta, nossa é tanta coisa boa! Mas a mais importante de tudo isso é VIVER do que eu GOSTO, conhecer o mundo, pessoas, tocar com músicos de todos os cantos e fazer isso com ALEGRIA. Acho que isso é a maior conquista, VIVER DE MÚSICA, ter uma família que entende minha ausência e que vibra pelas minhas conquistas, realmente sou um cara de sorte!

F.S-   Você foi eleito pelo jornal argentino El Clarín  um dos cinco melhores gaitistas do mundo. Como recebeu a notícia? 

 Achei engraçado! Acho que eles só conheciam 5 gaitistas e eu estava nessa lista (risos). Não existe o melhor e sim o que mais lhe agrada e que faz um som que entra nos seus ouvidos, chega no coração e deixa sua alma leve. Talvez o jornalista que escreveu sente isso quando me escuta. Música não é competição, não faço música para ganhar troféu ou medalha, faço música por que gosto e fico feliz de ver as pessoas sorrindo e dançando quando toco!

F.S- Que conselho daria pra quem está começando?

Divirta- se, toque o que vc gosta, entenda seu instrumento e tente colocar sua voz nele, toque com tesão e determinação. Shows, gravações e etc  vêm com o tempo, e digo: se vc toca com prazer, isso vem rápido!

F.S- O que vem de novidade por aí?

Estou sempre inventando coisas, estou com 2 músicas que gravei com Bitencourt Duo para lançar e 1 com o Pedro Friedrich, com a banda fizemos nosso retorno aos palcos num festival lindo, Mauá Blues, e estamos preparando novidades. Em outubro vou para Portugal e Londres acompanhando um cantor e em novembro toco no Chile novamente, no festival ARMONICAS DEL FUEGO. Acho que é isso.

F.S-  Os dois últimos anos foram complicados para o trabalhador da cultura. Se você pudesse fazer um pedido para os próximos representantes do país qual seria?

 Espero realmente que a cultura seja respeitada e que as pessoas entendam que artistas, músicos, bailarinos, etc, trabalham muito para viver do que escolheram, não somos vagabundos e não vivemos mamando nas Leis de incentivo, trabalhamos o tempo todo, se não praticarmos, estudarmos ficamos fora do mercado, precisamos estar sempre nos atualizando. Além do governo o povo tem que entender que ARTISTA não é VAGABUNDO, e que a arte é muito importante na vida de todos, a pandemia mostrou isso, todos precisaram da arte para não ficar louco. Então espero que não só os governantes, mas o povo entenda que respeito, amor é essencial para um mundo melhor. Peço todos os dias que essa brigas politicas acabem, que as agressões entre as pessoas que pensam diferente um do outro acabe, que os preconceitos parem, etc... Mas para isso precisamos RESPEITAR uns aos outros, independente de sexo, cor, raça, condição financeira. Se isso for feito, a cultura será respeitada. 

F.S-  O que é música para você? 

 Minha vida, sem ela eu não seria nada.

Comentários

  1. Caraca esse é meu professor, meu mentor, tenho certeza que estou no lugar certo, muito obrigado pela mentoria e dedicação do seu trabalho no ensino da gaita, tenho certeza que vou evoluir a cada dia.
    Beto Meloni.

    ResponderExcluir
  2. Muito fofo. Adorei tua humildade e teu humor. Já te acompanho há muitos anos desde que comprei uma gaitinha vagabunda e comecei pela internet tirar meus primeiros sons. Agora estou realmente muito feliz por estar estudando com vc. Acho que vou aprender e aproveitar muito. Antônia

    ResponderExcluir
  3. A gente tem uma jóia e tanto aqui pertinho... Uma pena vê-lo tocando tão pouco por aqui!
    Desejo que esteja feliz fazendo o que mais ama.

    Parabéns, Jefferson!

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Quinta da Saudade : Barracão de Zinco

Véspera de Natal e dia da famosa quinta da saudade. E a data esse ano pede (deveria pedir sempre) reflexões sobre nossas atitudes e o que podemos fazer para melhorar, evoluir. Especialmente num ano de tantas perdas, em que muitas vezes tivemos de abrir mão de estar com quem amamos para preservá-los.  E Natal para mim, desde a infância teve uma atmosfera mágica : desde o decorar a casa, até acreditar no Papai Noel e esperar pela meia-noite sempre foi muito aguardado, e ainda é. Mas o papo aqui é música, e vou contar a história de uma serenata que me lembro ter participado ainda criança (década de 80)  lá no bairro do Embaú, em Cachoeira Paulista, no Vale do Paraíba. Todos os anos nos reuníamos entre familiares e amigos e o samba era o ritmo que fazia a trilha sonora das festas. Ali tocavam Fundo de Quintal, Zeca Pagodinho, Originais do Samba, Beth Carvalho, Clara Nunes, Almir Guineto, Martinho da Vila e assim a noite corria. Uma tia avó, chamada Cândida (Vó Dolinha para nós), gostava mu

Black Jack celebra o amor em forma de rock'n'roll

Black Jack - banda taubateana conquista fãs no Vale do Paraíba e anuncia o lançamento do videoclipe do single "Celebrate Love" para setembro  Foto: Ian Luz Guitarras e bateria anunciam o fim de uma era de intolerância. Hora de praticar o bem ao próximo e quebrar o ciclo de vingança e de ódio. Um chamado para os fãs do bom e velho rock and roll . Este é o tema de "Celebrate Love", música da banda taubateana Black Jack, lançada no dia 13 de julho, Dia Mundial do Rock. Em setembro - próximo mês - será lançado o videoclipe da canção,  o single pode ser encontrado  em todas as plataformas digitais. A história do grupo começou em 2009, na cidade de Taubaté, no Vale do Paraíba, quando cinco amigos, todos com catorze anos, estudantes da escola Balbi- Unitau se reuniram e resolveram fazer um som. Desde então a banda passou por algumas mudanças e  atualmente, apenas dois integrantes originais ainda continuam na banda, Caio Augusto Rossetti  (baterista e backing vocal) e John

Entrevista: A Dança existencial de Sterce

  Fusão - Misturando Indie, Synth Pop e Alternative, cantora paulistana celebra o lançamento de seu terceiro single Foto: Divulgação A cidade de São Paulo ao anoitecer é um espetáculo para quem gosta de observá-la. Uma mistura de ritmos e luzes, com os sons dos carros e as iluminações dos prédios. E é da capital que nasceu Isabella Sterce, cantora e compositora que adotou o sobrenome como nome artístico. A artista de 21 anos busca por meio de sua música toda inquietação da juventude, trazendo à tona temáticas como sonhos, brevidade da vida e emoções diversas, abordando tudo o que não se vê mas se sente, misturando sonoridades e letras vezes melancólicas, vezes nostálgicas. Hoje a cantora lança "A Dança" seu terceiro single em todos os streamings, uma música que fala sobre a vulnerabilidade de existir em meio ao caos e sobre encarar a jornada da vida como se esta fosse uma coreografia a ser desenvolvida. Além do single entra no ar o videoclipe que pode ser conferido no canal