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Lulu e Eu - Parte 12 : " Eu tô indo a vida com a determinação de um trem..."

 


No rádio do carro - minha fita cassete, companheira de labuta, guardiã dos meus sonhos ao som de Lulu e sua banda Auxílio Luxuoso
Foto: Tatiana Valente

Há duas semanas o fã-clube do Lulu estava em polvorosa. Estava em uma reunião, e quando bati o olho, mais de oitenta mensagens no meu What's App. Deu um gelo cá dentro: Luiz Maurício. Ele anda muito quieto, descansando, gravando, criando, mas o que estaria rolando ali...
Uma manchete de sua entrevista para o programa "Conversa com Bial" dizia sobre sua doença, sobre sua despedida dos palcos e sua carreira. A discussão ali era: ele vai parar?
Para minha alegria e de todos, o Instagram da Bossa FM Europa anunciou alguns dias depois - É oficial: Lulu Santos em Berlim em 2026. Daqui o coração acalmou, e passou a bater em ritmo de samba. Não qualquer um, um "Samba em Berlim".
Minha cabeça fez um voo para março de 2006, quando finalmente juntando por 6 anos meu salário de professora, dividido em gastos pessoais, compras de CDs, e a  mensalidade da faculdade de Jornalismo, consegui comprar meu carrinho.
 Na concessionária sonhava com um zero, o Celta era a única opção que cabia no meu orçamento. Zero, teria de me apertar um pouco, mas estava disposta. Não aguentava mais carregar os livros nas costas debaixo de sol, chuva ou vento. E o trampo em Jornalismo não surgia, dar aulas de inglês era a forma como eu ganhava meu dinheiro. Nada nunca foi fácil para mim. Mas eu tinha a determinação de um trem, e seguia em busca dos meus sonhos. Foi quando vi o DOO (as iniciais da placa) me apaixonei . Quatro portas, prata, e com um toca- fitas. Pouco usado. Cinco mil km rodados. Único dono. 
"É ele, tudo o que eu preciso.", disse entusiasmada. 
"Tatiana, você pode trocar por um toca-cds", orientou meu pai.
"Não, pai. Eu tenho Honolulu, e vai tocar nesse carro", vibrei.
E assim era. Acordava, tomava meu banho e dava partida no meu Celtinha para mais um dia de trabalho. Carro mais perfeito para uma descendente de irlandeses não poderia ter. Uma bruxa em sua vassoura, com música.  Dava aula em duas escolas, e meu percurso começava com "Moonsense", um instrumental modernoso. Parada no semáforo imaginava como seria a vida com "Casa, comida e roupa lavada", como propunha "Pra você parar", fazendo os vocais, me unindo a Lulu e Milton Guedes. Quem parava do meu lado pensava, essa é doida. Daí, tocava meu mantra, que me dava forças para correr atrás de meus sonhos. "Papo- Cabeça", que conta com a gaita cheia de vida de Guedes, e a mensagem de que " sempre houve espinhos nas rosas de qualquer jardim, e se há calor no ninho, há pedras no caminho e ainda assim é belo".
E eu seguia meu caminho, feito uma faminta em um prato de comida. Acho que vinte anos depois, ainda sigo. Logo em seguida, vinha o "Samba em Berlim", contextualizando vocês: "Honolulu" foi lançado no ano de 1990, produzido por Lulu, com a participação dos músicos : Marcelo Costa, Milton Guedes, Sacha Amback, Décio Crispim, Paul de Castro e Marcos Amma, a adorável banda "Auxílio Luxuoso".
Em novembro de 1989 aconteceu a  "Queda do Muro de Berlim", que implicou no fim da Guerra Fria, no término dos regimes socialistas e início da era da globalização. O mesmo Bial que entrevistou Lulu semana passada, noticiou um ano depois a reunificação das duas Alemanhas. 
Fechando a aula de História e voltando pro meu carro , "I'm A Believer" de Neil Diamond ganhou uma versão graciosa. Tinha de descer e trabalhar, as crianças me esperavam: "Eu não acredito...", catarolava mentalmente.
Saía da escola, realizada. Mais um dia de aula. Virava a fita. Um blues iniciava o caminho até minha casa. Não qualquer blues, mas o "Rio Comprido Blues"- Lulu me ganhou pelos solos, eu viajo, transcendo ouvindo essa guitarra. 
 "Leia meus Lábios", dele e de Tavinho Paes cantava que "os sonhos não eram em vão". Motivacional total. Mas, Luiz Maurício já cortava meu barato em " Imaginação" dizendo que "ele era apenas uma invenção da minha parte, fruto da minha imaginação". Quando adolescente, minha irmã um dia me falou: "viu, fica aí sonhando com ele, ele mesmo canta isso". Eu, bocuda, respondi: "não quero casar com ele. Com as músicas sim. Mas se ele quiser ... dou-lhe uns beijos". 
Com todo respeito, Clebson. Isso passou tá? 
 " Sentava a pua" no carro e passava pelas ruas de Mogi cantando "Mina do Prazer". Na verdade dava uma mexida no quadril sentada mesmo, porque essa eu danço até. Vou confessar para vocês aqui algo que fiz muito...
"Outro Papo", é uma música xodó, uma bossa de Lulu e Nelson Motta. Amo cantar essa, e por várias vezes já estava chegando em casa quando ela começava. Dava mais uma volta no quarteirão só para não interromper a música. Gastava gasolina, mas deixava Lulu cantar até o fim. Amo quando ele "encanta" samba. Aquele rouquinho da voz dele é de arrepiar.
E assim, corria atrás dos outros sonhos, sendo que o primeiro, a compra de um carro já tinha sido realizado. Minha motivação: Honolulu, uma fita cassete, minha fonte diária de energia.
Deixei a canção "Honolulu" para dividir com vocês aqui, na minha quinta da saudade, porque hoje, 20 anos depois ela me descreve perfeitamente : " Tô sem grana, tá sem água, e tem uma pilha assim de pratos sujos e 'roupas' pra lavar..."

P.S : Lulu, teu espanhol não é ruim em De Mi. Amo. Sigo aqui, com meus cristais, e minhas rosas, vibrando por tua saúde...







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